quinta-feira, 27 de março de 2014

O dia da caça...

 
Meu numero de inscrição era 152, até hoje esse é o meu numero de sorte, em todas as minhas roupas havia uma etiqueta com essa centena carimbado.Havia um vocabulário próprio, uma espécie de dialeto particular: quando se escondia algo, era "enrustir", vigiar era "manjar cana"e, verbos e adjetivos que só se usava dentro do E.D.D, era como se fosse uma ilha independente, uma colonia com seus costumes e regras.
  E eu não podia deixar de dizer a maior de todas, sempre que alguém dizia algo que pudesse ser interpretado mal ou tivesse duplo sentido, todos diziam:_ NÓ, isso era uma abreviação de Nossa senhora e servia pra determinar que uma besteira foi dita, portanto era proibido dizer algo que pudesse ser mal interpretado, o risco era o de ser zoado e, esse "NÓ" era gritado e esticado, via de regra, acabava tudo em briga.
  Eu não era de procurar encrencas, porém, quando a ocasião se apresentava, não me fazia de rogado, não era dos que batiam, mas, nunca tive o dom pra ser a vítima, toda briga que entrei, não corri e, como eu disse em outra postagem, todo mundo que tentou me fazer mal, teve o troco merecido.
  Então, vou contar como foi que aqueles 3 pastéis que me jogaram na piscina tiveram a sua cota de aprendizado.
  Nos fins de semana eu tinha o costume de procurar abacates para esconde-los nas folhas secas das bananeiras, essa era uma das poucas coisas  que eu fazia sozinho, depois ia ler um livro, na primavera, que ficava na frente do pavilhão 14, pra falar a verdade, nem sei se o nome da arvore é esse mesmo, os galhos dela cresciam pros lados, lembravam os tentáculos de um polvo, no tronco haviam espinhos e mesmo que se podasse, os galhos voltavam a se estender, sua pontas chegavam no chão, dentro dessa sombra eu li muito.
  Depois ia procurar os amigos, descíamos pro campo e jogávamos rebatida, depois íamos pro lago do Japonês, nadar ou caçar rãs, ali pertinho tinha o pomar, entrávamos com cuidado, colhíamos as tangerinas e corríamos dos cachorros e dos tiros de sal.
  Feito isso, chegávamos ao bosque do 14, embaixo da enorme Araucária e ficávamos ali, conversando, cantando coisas do Milton ou do Fagner.
  Nesse dia foi tudo normal, até o...chegar ao bosque do 14.E não é que os caras estavam lá esperando???
  Eles eram 3, nós eramos 4, nós tínhamos 11 anos, eles tinham 16...então está caracterizada a lei do mais forte, o Viana e o Téquinha se puseram  em posição de defesa, o Chumbinho que era o menor, fez o mesmo, eu fiquei calmo, muito calmo.
  Eles disseram que não queriam brigar, mas, caso nos recusássemos a repartir o produto do roubo, seriam obrigados a caguetar, bati no ombro do Viana e disse:
  _Calma amigo, não custa nada dividir.
  A essa altura, a raiva dele era tanta que já lacrimejava, depusemos os 4 sacos no chão (os sacos eram as nossas camisas), eles pegaram a camisa do Viana, daquelas que tem o simbolo do São Paulo, esvaziaram-na, com a camisa dele na mão, o Salvador falou:
  _Isso aqui é lixo.
  Jogou a camisa no rosto do meu amigo e foram embora, o Viana procurava no chão, um pedaço de pau.
  Deu trabalho acalma-lo, eu já tinha um plano, disse pra eles que no dia seguinte, nós teríamos cãibras de tanto rir.
  Não contei-lhes o plano, disse que só contaria amanhã, nessa noite nós iríamos dormir com esse gosto de derrota.
  Feliz, era o apelido do Luis Carlos da Silva, que era meu vizinho de cama, tinha os quatro dentes frontais sobressalentes, isso passava a impressão de que ele estava sempre feliz, todas as noites escutávamos radio, quando não era jogo, era música, sempre a Jovem Pan.
  Contei-lhe o acontecido, ele ficou indignado, sugeriu que juntássemos todos os pivetes do pavilhão e dessemos uma lição neles, disse que tinha um plano e ia precisar dele, contei-lhe tudo, detalhe por detalhe, o neguinho ria que dava gosto.
  No dia seguinte cumpri meu ritual até a parte da leitura, fiquei sabendo que o seu Odilon, que era o larista do pavilhão iria sair com a família, fui até a porta do pavilhão e os amigos me esperavam, entrei na sala e eles me seguiram, o seu Odilon ajeitava o cordão do bamba, sentado numa cadeira, pedi licença, ele permitiu que eu me aproximasse, fiz uma careta de dor e disse:
  _Estou morrendo de dor de cabeça, tenho que ir à enfermaria.
  _Ana_gritou ele, chamando a esposa, ela respondeu que estava ocupada no banheiro.
  Como era analfabeto de pai e mãe, ordenou que eu escrevesse o bilhete pro enfermeiro que ele assinava, peguei papel e caneta e muito rápido escrevi o bilhete, antes de assinar o animal tirou os óculos do bolso e fez que lia, tive que cutucar o Viana, pra ele segurar a gargalhada, a besta pegou o papel e assinou.
  Seguimos a estrada do 12, rumo à enfermaria, passamos em frente aos pés de jabuticabas, enchemos os bolsos e continuamos o caminho.
  Quem atendia na enfermaria era o irmão Wilson, essa definição de irmão era dada à todos os membros da diretoria (o motivo, eu ainda vou pesquisar) ele era uma pessoa ótima, ainda que o humor não fosse dos melhores e pra qualquer mal, só havia um remédio...BENZETACIL.(gripe, fratura, dor de dente, corte)
  Chegamos na enfermaria e entregamos o bilhete, ele fez piada sobre os amigos que acompanham os outros em todos os lugares e entrou pra preparar a seringa, o Viana me perguntou se eu não estava com medo da agulha, limitei-me a sorrir, quando voltou, o enfermeiro já tinha a agulha na mão, leu o bilhete e chamou:
  _Edilson Martins Silveira.
  O Chumbinho tomou um susto e caiu do banco de alvenaria, nessa hora caiu a ficha, o Viana e o Tequinha se lembraram do corte na perna do amigo, já criava pus e ele tinha medo de medicação, nós 3 seguramos e o irmão Wilson aplicou-lhe a injeção, como gritava o baixinho.
  Disse ao enfermeiro que não se preocupasse, eu jogaria a seringa no lixo, atras da enfermaria havia um enorme buraco que media uns 3 metros de diâmetro e 1 metro e meio de fundura, ali era depositado o lixo hospitalar, la fora, desarmei a seringa, meti-a no bolso e fiquei com a agulha na mão.
  No caminho de volta o Chumbinho me xingava de todos os nomes e nós riamos, quando chegamos no pavilhão o Feliz nos esperava com um vidro na mão, ele era o ajudante da rouparia, só ele e a dona Ana tinham acesso aos remédios, as portas do pavilhão estavam trancadas, encostei no tanque e os outros fizeram uma barreira, pra ninguém me ver, lavando a agulha.
  A essa altura todos já sabiam do plano, já antecipavam as rizadas, o Feliz foi conosco pro pomar, quando voltamos, escondemos as laranjas no caminho, só chegamos com um saco, a camisa do Viana, de novo...nos roubaram e nos ameaçaram.
  Quando o seu Odilon voltou, o Feliz devolveu o vidro de laxante à rouparia, os 15 ocupantes do quarto dos pequenos ficaram acordados até as 2:00 horas da manhã, 5 ocupantes do quarto dos grandes iam e voltavam do banheiro e isso durou 3 dias e 3 noites.
 

domingo, 23 de março de 2014

A fúria

  Eu não sei qual foi a hora exata, que a diversão virou risco de vida...numa hora estávamos curtindo os bailes por diversão, na outra, passamos a ser alvos móveis, subitamente a equipe de dança virou gangue.
  Nessa época, eu estudava no Santa Inês, quase todos os amigos tinham abandonado a escola, por esse tempo, passaram a consumir a maconha, acho que eu estava muito ocupado e, acabei perdendo esse capitulo, repentinamente eu passei a ser o único careta da turma.
  Nunca fui de julgar, continuei a considera-los, meus amigos e continuei os rolês, com uma diferença, agora passou a haver a pausa para o "fogo na bomba", no começo, tinha o constrangimento de ser traidor, mas, quando os via, sob o efeito da erva, disse:
  _Pra ficar igual a vocês ?? Não, muito obrigado.
  Pra minha surpresa, todos levaram a coisa na esportiva, mas sempre aparecia alguêm de fora e oferecia uns péguinhas, eu sempre me saía com essa:
  _Xi, acabei de fumar um, tô à pampa_a frase sempre vinha acompanhada duma tosse simulada.
  Na verdade, pouca coisa mudou, continuamos a ir em todos os bailes de Sampa, só que agora, tinha a pausa pra bolar o baseado.Todos os domingos, íamos pro mesmo lugar, o Asa Branca de Pinheiros, lá, acontecia a matinê da Chic Show.
  No pavilhão 22, os preparativos começavam cedo, escolher as roupas, lustrar os sapatos, fazer vinco nas calças e ajeitar o black, essa última ocupação era a mais demorada, gastava umas 3 horas, pra deixar o cabelo perfeito, tinha gente que passava cerveja no cabelo, afim de deixa-los durinho.
  Como eu sempre estava sem dinheiro, tinha a minha tesoura e um laquê, prestava meus serviços e cobrava pouco, só o que desse pra pagar a entrada e a condução, já que o meu cabelo não necessitava de mui
to cuidado, eu só o levantava e arredondava e era de bom tom, levar uns trocados a mais, sempre tinha um "mano", que ia pra porta do salão sem nenhum dinheiro, ficava do lado da fila, arrecadando o suficiente.
  Nessa época, havia uma fúria dentro de mim e, em todos os lugares que chegávamos, havia alguém que se achava no direito de cercear nosso direito de ir e vir...isso só se resolvia "na mão" e, se fazia necessário usar os punhos, eu estava sempre na linha de frente, dominava a arte do boxe.
  Uma noite, perto da entrada do Guilherme George, a turma parou pra fumar um, estávamos nuns 50 caras, a bomba foi acesa e passou de mão em mão, um dos amigos novos a estendeu em minha direção, eu já ia dizer a minha frase, quando o Viana, muito alterado gritou:
  _Pára com essa palhaçada de oferecer droga pra esse cara, se, de cara limpa ele já faz as desgraças que faz...calcula, se ele estiver bem louco.
  Houve um breve silencio, a mão que me oferecera o cigarro foi recolhida...nunca mais, ninguém me ofereceu um baseadinho sequer.
  Quanto a fúria ???ela morreu...no exato instante que a Angela disse que estava grávida.