Em 1978, havia uma
sexta-série terrível, em meus anos de estudo nunca vi uma turma como aquela,
eram 32 alunos, 30 internos e dois externos.
Não vou correr o
risco de tentar enumerar todos os alunos, fazendo isso, corro o risco de
esquecer algum, porém, se alguém que ler se identificar com os fatos, pode
dizer em comentário, que fez parte dessa turma, mas vou lembrar-me da lista de
chamada desta sala...
Havia cinco Joãos...
João Pinheiro (do 17), João Rosinha (do 13), João Cavallo (do 19), João de Bunda
(do 24) e João Lucena (do 14).
Entre os meninos,
somente dois não eram internos, o Luciano e o Claudio Matão que eram filhos do seu
Matos do forno, mas esses, por serem filhos de funcionário, tinham o
comportamento igual ao dos internos, portanto, quando a professora Anésia
passava um descompostura, eles estavam junto no bolinho.
Anésia era
professora de Educação Artística, daquelas professoras que não tem medo de cara
feia, se alguém gritasse ela devolvia na mesma moeda, levava as aulas no
cabresto, a grande estatura dela intimidava qualquer aluno mais afoito, não
obstante, era de uma ternura sem medida.
A professora
Cristina lecionava Inglês, muito linda mesmo, ensinava fácil e usava sempre uma
música pra assimilar a matéria, às vezes, no meio da bagunça, ela parava em sua
mesa e fazia um rosto muito triste, a ver a professora desse jeito, a bagunça
cessava e ela voltava a sua aula.
Fala sério, ninguém
aguenta uma mulher linda, triste.
O professor de
Matemática era o Nadinho, esse, quando morrer vai pro céu sem escalas... nunca
vi um sujeito ter a paciência igual, sempre tinha um aluno que fazia piada de
sua careca e ele permanecia calmo e dava aula sorrindo de tudo e, o pior,
ensinava mesmo.
Eram professores que
não se vê mais por ai, cujo objetivo maior é o de ensinar.
Começamos as aulas,
na última sala, de quem sai da diretoria e vai ao corredor à esquerda, em dois
meses, por conta da bagunça, fomos transferidos para aquela sala que ficava
fora da escola, feita de madeira.
Na época não havia
sido construída a cozinha central, todo esse terreno onde agora é a cozinha e o
prédio da OZEM, era o milharal do lar 21.
Sabe-se que, em
época de milho seco, é de costume tocar fogo no milharal... alguns meninos
aproveitaram o fogo e queimaram a tal sala.
Alguns alunos alegaram
que estavam sendo discriminados, postos numa sala fora da escola.
Bom, não vou entrar
muito nesse assunto pra não fornecer provas contra a minha pessoa... Teve, o
diretor Sergio, que voltar a alojar a sexta-série dentro da escola e para que
pudesse controlar melhor, realocou-os na primeira sala ao lado direito da
diretoria.
Essa medida não fez
muito efeito, posto que, o diretor não punha medo em nenhum aluno.
Sou sistemático, já
à época o era, em qualquer sala que estudo, me sento na segunda cadeira da
fileira à esquerda da lousa, se ela estiver ocupada eu negocio até ela me
pertencer.
A coisa estava tão
sem saída, que eu já havia me mudado pro fundão, já que ninguém queria estudar,
eu é que não seria o único, troquei de lugar com o Augusto e me tornei mais um
bagunceiro da sala.
A dona Aimar
lecionava Estudos Sociais, não tinha muita paciência e isso fazia da matéria a
menos querida entre os alunos, já tinha certa idade e estava gravida, logo no
começo da prenhe, entrou de licença e ficou a sala sem professor... Ótimo,
muitas aulas vagas.
O diretor Sergio se
empenhou em procurar um substituto para o cargo, sentados no bambuzal, tendo o
lago aos nossos pés, curtíamos nossas folga escolares e especulávamos acerca do
novo professor, é claro que a folga já acabaria.
A solução viria num
nome já conhecido, o Maximino era irmão do Domingão, autoridade maior do
colégio, isso era o ponto negativo, e como ele já lecionava no Guiomar, fomos
lá saber sobre o novo professor.
Ali, ele tinha a fama
de ser o mais querido entre os alunos, disseram-nos que dava gosto as aulas
dele e olhe que, lá ele ensinava Matemática. E me desculpe quem gosta, mas, não
entra na minha cabeça, achar agradável uma aula de Matemática.
Outro ponto a favor
do Max era o fato de ele ser casado com a mais linda entre as mulheres do
Educa, sua esposa era a Lucia, filha do seu João do lar 13.
Entrou na sala de
aula, vestindo um conjunto de blusa e calças jeans, bem despojado pra época,
posto que, combinava com o seu cavanhaque e aquelas botas de bico fino, disse
boa noite e sorriu com ar de quem está no comando, escreveu o nome na lousa e permaneceu
em pé, olhando firmes os rostos dos bagunceiros, a primeira batalha estava
ganha.
Era habito dos
meninos da época gostar filmes de artes marciais, bangue-bangue e
principalmente de guerra, portanto, em silêncio, esperavam a atitude do
professor, conforme as atitudes dele viriam às reações.
Lá do fundão,
observei que ele estava tranquilo, feito alguém que está com uma carta na manga.
Puxou da mochila de
couro, o livro de Estudos Sociais, perguntou em que ponto havíamos parado,
perguntou por perguntar, sabia que ninguém responderia, ao acaso, escolheu um
ponto e pediu que alguém lesse, assim que alguém lia um paragrafo ele explicava
e seguia o texto com outro leitor, ao fim do paragrafo ele explicava, com calma
e em palavras fáceis.
Esse capítulo fazia
parte da história da guerra dos emboabas, e esse ponto se chama “O capão da
traição”, conforme as coisas se desenvolvem, os meninos vão dando atenção e se
envolvendo na narrativa.
Portugueses e Paulistas
numa rivalidade, pra saber a quem pertencia a terra, entram em conflito, toda a
sala em silêncio, tentando imaginar a cena, o professor tem os alunos em suas
mãos, ninguém fala nada, sentado em cima da mesa ele tem a certeza que todos o
ouvem.
E vai a narrativa,
como quem narra um documentário:
Estão frente a
frente, armas em punho, os portugueses na parte mais alta do capão, os valentes
paulistas, em menor número e na parte inferior, não se entrega antes morrer a
se entregar...
Os meninos sorriem,
entendem a bravura dos seus antepassados, se ajeitam nas cadeiras pra ouvir
melhor.
Nesse instante, o
diretor Sergio invade a sala e vê uma cena que jamais imaginaria ver, todos os
alunos em sua cadeira e em silêncio, atônito e contrariado não diz nada, o
professor sorri tranquilo, o diretor sai coçando a cabeça bate a porta atrás de
si.
Nada, nenhum comentário
a respeito da sandice do diretor, todos os olhos ainda estão fixados no
professor.
Os portugueses pedem
trégua, se os paulistas abaixarem as armas não será tratado com hostilidades,
tudo será perdoado.
São homens de honra,
os paulistas e aceitam a palavra empenhada, depõem as armas...
No capão existe uma
enorme vala, é ali que estão os paulistas, assim que o último paulista entrega
a arma, os portugueses abrem fogo.
Há um
descontentamento geral na sala, vaias e indignação por todo lado, um guri mais
empolgado grita a plenos pulmões.
_Portugueses filhos
da puta.
O professor, muito
calmo, responde às perguntas que não são poucas, todos querem falar ao mesmo
tempo, me levanto do fundão e volto pra minha cadeira.