Na segunda metade dos anos 70, o Educa era uma pequena cidade do interior em pleno coração da capital paulista, muito pouco do ruído de fora, interferia no cotidiano dos moradores dessa cidade, pra fazer justiça de verdade, o colégio parecia um pequeno país... a vasta extensão territorial, compreendia uma linha imaginária que seguia da avenida Heitor Antônio até o Taboão da Serra e outra linha que compreendia a parte norte do bairro do João XXIII até a Pedreira, toda essa terra fora doada pelo ilustre Bráulio Silva, ainda no começo dos anos 30.
Se pudéssemos ver o colégio como um pequeno país, podemos ver
que cada pavilhão poderia ser um estado, cada qual com seu quinhão de terra e
seus limites, sob as leis de um comando central, a administração.
Cada pavilhão tinha a sua bandeira, posto que, em tempos de
campeonato interno, cada um gritava pelos seus e havia uma seleção, que todos
torciam e serviam... chamava-se Grêmio Educandário.
Como todo país que se preze, tinha a sua própria língua, língua
propriamente dita não, era um dialeto.
Algumas expressões, interjeições e termos que só faziam
sentido para os moradores desse país chamado Educandário Dom Duarte.
Em postagem passada falamos da interjeição "Nó",
trataremos agora de dois verbos muito usado pelos internos e alguns
funcionários do Educa , são eles: "Chupinhar" e "Encanar".
O primeiro fazia alusão ao pássaro que tem o habito de botar
os ovos em ninho alheio, era usado pra definir o roubo de alguma autoria
intelectual, exemplo:
Um menino tinha um jeito de dominar a bola, o outro fazia
igual, o primeiro menino gritava:
_Você está-me chupinhando.
Nisso havia sempre um terceiro menino que atiçava:
_Vai deixar? Se é comigo, não deixava.
Nesse caso, começava o quebra pau, coisa de uns 10 minutos de
pancada, depois voltavam a serem amigos.
O segundo verbo era usado quando alguém estava se escondendo
algo que ninguém podia saber, ao descobrir o que foi escondido, havia um grito:
_Encanei, vou querer, senão conto pra todo mundo.
A vasta plantação do lar 14, era bem distribuída no que
compreendia a sua divisão territorial, a ganancia do velho Odilon era tanta que
a área plantada de qualquer pavilhão não chegava à metade da nossa, o infeliz
do interno do 14, carpia o dobro do que carpiam os outros internos.
Embaixo dos pés de uvalha, que ficava na parte alta da
lateral do pavilhão, eu, o Viana e o Téquinha perceberam que nossos rivais se
movimentavam, entreolhamos e ninjas que éramos, bastava isso pra já ter um
plano em ação.
O Valmir, o Geraldo e o Salvador eram grandes, se
descobrissem que a nossa missão maior era tornar a vida deles um inferno, nos
bateriam muito, mas isso não detinha a nossa paixão por uma boa aventura.
Sem perceber que estavam sendo observados, os três foram até
a lateral do prédio, olhando pros lados, feito quem se esconde, lá em cima
fizemos que não percebesse a movimentação, fingindo uma conversa casual.
A 10 metros do pavilhão havia dois barracos de madeira, um
era o galinheiro, no outro eram depositadas as ferramentas, o Valmir seguiu pra
lá, os outros dois ficaram montando guarda, segundo depois saiu com um facão na
mão, quando vimos, já ganhamos a lança e pulamos na estrada, corremos pelo lado
oposto do deles, passamos pelo milharal, pulamos a estrada e chegamos ao
bananal, no meio dele havia uma enorme mangueira, subimos nela e esperamos os
grandes.
Chegaram falando alto, arrotando vantagens e riam alto, como
se fossem os mais malandros do mundo, cortaram cinco cachos de bananas no
ponto, escolheram esconderijos nos buracos que se formam no espaço de uma
bananeira a outra cobriu com as folhas secas das próprias bananeiras e com as
folhas da mangueira, enquanto faziam isso, riam.
Quando os vimos passar na estrada, pulamos juntos, pegamos os
cachos e agachados passamos pelo milharal, atravessamos a estrada do 12 e
descemos pro bosque, "enrustimos" os cachos perto dos abacateiros e
rindo, fomos empinar nossos pipas e ouvir Clube da Esquina.
Em dois dias um cacho de bananas amadurece, não fomos lá de
imediato, ficamos perto da primavera florida, bem na bifurcação entre o 12 e o
14, sentados na paz com nossos gibis de super. Heróis.
Os grandes passaram por nós e fizeram piada:
_Lendo fotonovela?
Demos de ombros e seguramos o riso, sabíamos aonde iam, mesmo
assim o Téquinha perguntou:
_Vão aonde, fazer troca-troca?
Rimos e corremos pra frente do pavilhão, eles ameaçaram
correr e parou, o Salvador gritou:
_Ia dar uma banana pra cada, agora não vão ganhar nada.
Desaforados que éramos voltamos pro nosso lugar, coisa de uns
4 minutos, saíram de mãos abanando e discutindo entre eles, parecia que o
Valmir estava chorando.
O Viana, com a maior cara de santo, perguntou:
_Ué, cadê as bananas?
Por muito pouco, não caímos na gargalhada, os três falaram
junto:
_O chupim roubou.
Estavam no ponto às bananas, quando as tiramos do
esconderijo, na arquibancada do campo do 14 a erosão havia formado um buraco,
com boa vontade uma caverna, esse era o nosso esconderijo levou nosso prêmio
pra lá e riamos alto.
Lá fora escutamos uns passos nas folhas secas e paramos,
olhamos para a entrada da caverna, subitamente dois moleques pularam juntos e
gritaram:
_Encanei, vou querer.
Depois do susto, vimos que eram o Spock e o Floriano, o Viana
disse:
_Ah cala a boca, senta aí que tem pra todo mundo.
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