Os cenários mudam, a
vida é uma evolução e, devemos vivê-la plenamente... num sentido mais pleno, a
vida é um aprendizado, mesmo quando viramos a cara, ela nos dá ensinamentos.
As tardes ociosas do
pavilhão 14 me deram as aventuras com os amigos e um gosto pelo viver, mesmo
quando sozinho, sabia que ia crescer e ser livre, as tardes também me deram a
trilha sonora da infância.
No teatro do Educa,
uma fina seleção musical era exibida e, aonde que eu me encontrasse, essas
músicas me acompanhavam, no fim, viraram a trilha sonora da minha adolescência.
Dentre essas músicas, algumas da banda "The Commodores" e, entre
essas, "Sail on" era a minha predileta, daí por diante, sempre que
ela fosse exibida, eu daria uma atenção especial, ainda hoje, ela mexe comigo.
Nas imediações do
teatro, eu cantava para acompanhar o Lionel, mais tarde, nos bailes, eu tirava
uma dama e cantava no ouvido dela.
Como eu disse, a
vida é evolução e, eu cresci... estamos em 1982, moro no pavilhão 22, estudando
no Vidigal e trabalhando na P.G.E, não era mais o coadjuvante de costume, não
buscava mais a gloria no futebol, o coração das meninas, agora me movia.
Ainda que o mundo
tivesse alargado e ultrapassado as fronteiras do E.D.D, a sorte me protegia e
os amigos ainda eram os mesmos, na escola, nos bailes e nas ruas, costumávamos
andar em bando.
Um dia, uns alunos
encrenqueiros resolveram fazer bulling com o Flávio do 16, esse tinha o apelido
de Fú, o apelido era uma alusão ao personagem da série da TV que se chamava
"Kung Fú", posto que, o Flávio, como o personagem, andava sempre com
os cabelos cortados à zero.
Assim que fizeram a
rodinha em volta dele, os outros amigos correram a me procurar pela escola.
Eu estava perto da
quadra, abraçado à Lúcia, assim que me avistaram, me contaram do que estava
ocorrendo, esses amigos eram: O Djalma do 15, o Coquinho do 24, o João Augusto
do 12, o Pelezinho do 12, assim que soube do ocorrido, corri em socorro do amigo.
O Fú era pequeno para
a idade e estava rodeado por cinco valentões, em volta do círculo deles, os
outros alunos formaram uma barreira e deu trabalho furá-la, empurrei os outros
elementos e fiquei frente a frente com o líder, perguntei o que o meu amigo
havia feito e antes que ele respondesse, já havia lhe desferido um soco na
boca.
As poucas coisas que
sabíamos sobre ele era que morava no Parque do Lago, gostava de andar com
malandros e tinha o apelido de Vassoura.
Agora estávamos
frente a frente, os meus amigos nas minhas costas, os amigos dele às suas
costas e o resto dos alunos nos circundavam e torciam em silêncio, do lábio do
meu oponente escorria um filete de sangue, a adrenalina fazia o meu suor
escorrer, ambos mantínhamos os pulsos em frente ao rosto e olhávamo-nos.
Como eu já havia
atacado fiquei esperando o movimento que partiria dele, ele arfava de raiva, os
olhos lagrimejavam, me mantive calmo, qualquer coisa que ele fizesse seria em
desespero, assim que ele se projetou em minha direção e a sua mão direita
procurou o meu rosto me esquivei, um segundo soco e mais uma esquiva, quando
voltei a me levantar, segurei os braços perdidos dele e, como ele havia aberto
mão da defesa, inclinei o dorso para trás e joguei a minha cabeça na direção dele,
a minha testa atingiu em cheio o nariz, quando ele tombou houveram gritos e a
pequena multidão se abriu, no meio da multidão apareceu a Sonia, que era a
inspetora do pátio e todos chamavam de "Monga".
Queria saber o
motivo da balburdia, o Vassoura já havia se levantado e tinha uma camisa na
mão, limpava o sangue, que agora, também lhe escorria do nariz, a inspetora
perguntou e ele nada disse, olhou para mim e eu fiz cara de que não sabia de
nada, ele saiu em direção à sala de aula, achei a Lúcia no pátio e voltamos para
a quadra.
Na hora da saída,
todos os internos ficaram me esperando sair da escola, mesmo os que não haviam
participado na hora do recreio, feito o Gil do 20 e o Miguel do 13.
Atravessamos as ruas
do Peri-Peri, éramos uns 15 e sabíamos que quando chegássemos ao ponto da
Raposo Tavares, nos encontraríamos com os moleques do Parque do Lago e seria
uma briga épica.
E, como eu digo
sempre, posso não ter amealhado dinheiro na minha jornada, mas, a sorte sempre
foi minha companheira.
Naquela sexta-feira,
todos os internos que estudavam em Pinheiros resolveram nos visitar, na
verdade, eles vieram atrás das meninas do Vidigal, o total da turma subiu para
uns 35, os caras do Lago sumiram.
Lógico que a coisa
toda se empurrava para a segunda feira, mas a sorte é má conselheira, ela te
tira o medo, vestido nela você pensa que nada, nunca te fará mal.
No 12 da Raposo
Tavares, havia o "Pombal", um salão improvisado que a equipe D’Paulus
dava um som muito bom, sábado à noite era o dia.
Enquanto eu me
aprontava, o Djalma usava toda sorte de argumentos para me demover da cabeça a
ideia de ir para lá, já que, a turma do Parque do Lago costumava frequentar aquele
salão.
Disse-lhe que não
deixaria de ir a lugar algum, por medo de alguém, se fizesse isso, seria refém
do medo e não poderia sair nunca mais, já que não conseguiu me fazer mudar de
ideia, ele iria para me acompanhar.
Era bom mesmo, o som
do D’Paulus, assim que entrei na pista percebi que uns olhos grandes e
castanhos me seguiram, já me pus à disposição da dama, larguei a turma e fui
até ela, queria saber se estava sozinha, não eram só os olhos mais lindos que
eu já havia visto, ela era toda linda e, exalava um odor de Lavanda.
Ainda tocava um
balanço e ela já havia contado parte de sua vida, quando eu já me aproximava do
beijo, o Djalma me bateu no ombro e disse que o Vassoura estava lá fora, eu
disse para a moça que já voltava, só iria lá fora, resolver um probleminha.
A turma reunida se
encaminhava para a porta de saída, o Djalma me puxava e eu olhava os enormes
olhos castanhos, a música dava seus últimos acordes, fez-se um silêncio e
pôde-se ouvir a agulha cair no vinil, o som foi subindo... Sail on down the
line, 'bout...
Livrei-me do Djalma
e empolgado com a música tirei a dama dos olhos castanhos, nada poderia ser
mais importante que isso, colei meu corpo ao dela, repousei a mão esquerda no
rosto dela e a direita na cintura, minha face se uniu à dela e cantei a letra
em seu ouvido, conforme a música, nossos corpos floreavam no ritmo, o mundo não
tinha qualquer sentido, isso era viver e seria também a melhor das mortes.
Sempre que tocava
essa música eu me levava em mente no tempo dela, então, na imaginação levei a
dama dos olhos castanhos direto para o teatro do Educandário Dom Duarte.
Quando a música
chegou ao fim, encaminhei a moça para a companhia das amigas delas e me
desculpei, tinha mesmo que sair.
Á meio caminho da
porta de saída, soaram quatro tiros e houve pânico no salão, algumas pessoas
entraram para se abrigar, saímos e vimos um corpo no chão e conversas
desencontradas, chegamos mais perto e pudemos ver o rosto da vítima... o tal do
Vassoura agonizava numa enorme poça de sangue, em sua mão havia um revolver
carregado.
Disseram-nos que, o
outro sacou mais rápido... 4 minutos, foi o tempo que durou a música, 4 minutos
de atraso com o inevitável.
Maria era o nome da
moça dos olhos castanhos, nunca mais a vi e, até hoje, nem sei se ela existiu
mesmo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário