Saber ensinar é uma arte e isso não depende de se ter um diploma ou um
registro em carteira.
Sempre disse que aprendemos mais coisas da vida com funcionários simples
do Educandário Dom Duarte que com as pessoas
que ganhavam para educar de fato, vou mais além, muito do que eu aprendi sobre
a vida, veio de pessoas sem qualificações e com os meus amigos menores.
Se as mães dos internos soubessem, o que de fato, alguns laristas
faziam, iam preferir jamais expor os filhos aos cuidados dessas pessoas.
Aos fins de semana, em dias de manutenção da piscina e de ausência de
jogo do Grêmio, costumavam os internos reunirem-se no espaço que ficava entre a
piscina e o lago, as arvores davam a sombra e os meninos pulavam em seus
galhos, uns só ficavam na grama baixa, ouvindo a música que vinha dos alto-falantes
do teatro.
Por ser um território neutro, é fácil de imaginar que o grupo fosse
constituído por internos de quase todos os pavilhões, dois ou três de cada,
ficavam ali, brincando de esconde ou de pega e, por vezes, de bobinho, sempre
se achava uma bola.
Quando o açúcar baixava, sentavam ou deitavam-se na grama e alguém
puxava um assunto.
E então, vinham histórias de lances miraculosos no futebol, histórias de
assombrações, de internos fujões ou de violência extrema praticada por algum
larista carrasco.
Via de regra, cada um contava coisas acontecidas em seus pavilhões, a
história começava na boca de um narrador e o amigo ia concordando e terminando
a história, ao término dessa, vinha outro e contava a sua, o amigo do mesmo
pavilhão concordava e corrigia os demais ouviam atentamente até o final.
Algumas dessas narrativas não tinham uma época precisa, falavam de um
tempo remoto, coisas de pessoas e fatos de 30 ou 40 anos passados, já eram
lenda.
Sempre gostei de histórias, mesmo que elas fossem lendas.
Numa tarde, o Claudinho do 16 contou uma que chocou a todos e essa era
verídica, já que, parte dos personagens dela ainda viviam no Educa...
O Bambuzinho do 16, já era um meninos crescido, bem provável que tivesse
uns 12 anos de idade e sofria de incontinência urinária, quase sempre amanhecia
com o colchão molhado.
O chefe do pavilhão, seu Alcides resolveu corrigir o problema de uma vez
por todas.
Às 4:30 da madrugada, depois de constatar que o menino já havia urinado
na cama, acordou todos os outros e foram para frente do pavilhão, o Bambuzinho
teve que, num frio de rachar, tomar banho gelado e ficar nu encostado na
parede.
O chefe ordenou que os outros meninos formassem uma fila indiana, todos
tinha que passar e dar um tapa no rosto do infrator, caso alguém se recusasse,
tomaria o lugar dele.
E, sob o olhar atento do carrasco, começou o deprimente espetáculo,
alguns dos meninos da fila cuspiam na mão pra acertar com gosto, gelado e
humilhado o garoto não soltava um ai, a cada tapa se ouvia o som da pancada.
Na metade da fila estava o Francisco, enquanto seguia a fila ele não se
preparava pra bater, os olhos fixos no menino que apanhava e não emitia
qualquer som.
Quando chegou a vez do Francisco a fila parou e um silencio se fez, as
mãos ainda abaixadas a olhar o amigo que já não sentia a dor.
O carrasco gritou que ele não passava de um covarde, ele balança a
cabeça negativamente e, para o espanto de todos, empurra o Bambuzinho e assume
o lugar dele, isso nenhum covarde faria.
Contrariado na sua autoridade, o Alcides suspende a sessão de tortura e
chama-o pra dentro.
Grita, ameaça e o chama de covarde e o Francisco não fala nada, só
discorda com o seu balançar de cabeça, vendo que o marido está perdendo a
razão, a esposa dona Maria entra na conversa e, sem qualquer aviso acerta um
tapa no rosto e, ainda que lhe deixasse tonto pela surpresa, o garoto não
chora.
_Ficou sem café da manhã por uma semana esse foi o castigo.
Arrematou o Claudinho e, ao fim da narrativa seus olhos brilhavam de
orgulho, enquanto os ouvintes aplaudiam.
Nenhum comentário:
Postar um comentário