Se, por um lado, minha liberdade se restringia ao território geográfico do E.D.D, por outro lado, o Educandário era maior que muitos bairros.
Aos fins de semana não esperava a visita da família, minha família se resumia ao meu irmão menor e aos irmãos de colégio, esses tinham problemas tão grandes e maiores que os meus, alguns foram deixados em orfanatos, após o nascimento...eu, pelo menos, tinha sabido dos meus pais.
A primeira coisa que me movia era o futebol, aquele Grêmio Educandário era realmente empolgante, comandado pelos Ditinho e Pivete, duas figuras que se opunham, o camisa 8 era chefe da gráfica, baixinho e ligeiro, o Ditinho tinha um toque de bola refinado, mais sempre optava pela pegada firme, a condição de capitão do elenco fazia dele um cara mal humorado, que gritava o tempo todo, o camisa 10 era o Pivete, como o outro, tinha sido interno e também trabalhava na gráfica, habilidoso ao extremo, levava a bola colada ao pé, alto e muito magro, levava todas no alto e, quando era acuado, saia sempre com a bola entre as pernas dos marcadores, sempre tranquilo, jogava com o pulso da mão esquerda virado pra baixo e sorria o tempo todo, sempre que o Ditinho perdia a calma, o Pivete sorria e gritava:
_Arrê...esmagueira.
Quando o time estava em apuros, no meio de campo, eles se conversavam, quem via, do lado de fora, ria da cena, o Pivete tinha que, quase se agachar, pra ficar na altura do Ditinho, ficavam assim por alguns segundos e depois vinha a virada...sempre assim.
A segunda coisa era a piscina, se a minha primeira experiência nela foi traumatizante, passou logo e eu ficava horas e horas dentro da água, já havia conquistado algumas medalhas e, pra não ficar longe dela, ajudava na manutenção, por vezes, ficava de salva-vidas, dos meninos menores, fazia qualquer coisa pra ficar por ali.
A terceira coisa era o teatro, eu adorava as peças que eram apresentadas lá, naquela época o Sergio Camargo, ator da primeira versão da novela da Tupi "A viagem" deu aulas e implantou a companhia de artes cênicas no E.D.D, via de regra, os participantes dessa companhia, eram meios metidos à besta, se sentiam...Só um deles, não era arrogante, esse era o Jordão, ele era uns anos mais velho que nós e era o nosso herói, dono de uma voz invejável e uma postura digna, permitia que nós ficássemos na platéia, por conta disso, quando ele saía de cena, íamos embora.
Geralmente, essas 3 paixões, nunca brigavam entre si, cada uma delas tinham tempos e durações distintas, havia o horário e os dias, pra cada uma delas.
Mas, num dia de sábado, lá pras 4 da tarde, quando o sol começava a se esconder, as arvores que cercavam o lago, que ficava ao lado da quadra, já esticavam suas sombras, privando a área da piscina da sua luminosidade, estávamos nós, sentados no barranco acima dela.
Eu, o Chumbinho, o Valdeci, o Dooley, o Zé Almir, o Spock, e...é claro, o Viana.Esperávamos o Ronaldo se aquecer fora da piscina, ele prometera quebrar o seu recorde e estávamos ali, pra testemunhar.O Ronaldo era um fenômeno de mergulho, com o corpo submerso, ele dava 7 voltas na piscina, agora ele ia tentar fazer as 8 voltas.
Eu, o Chumbinho, o Valdeci, o Dooley, o Zé Almir, o Spock, e...é claro, o Viana.Esperávamos o Ronaldo se aquecer fora da piscina, ele prometera quebrar o seu recorde e estávamos ali, pra testemunhar.O Ronaldo era um fenômeno de mergulho, com o corpo submerso, ele dava 7 voltas na piscina, agora ele ia tentar fazer as 8 voltas.
O Ronaldo era daqueles crioulos, que já nascem com massa muscular avantajada, corria muito e subia em arvores com uma naturalidade que dava inveja, isso lhe rendeu o apelido de macaco d'água, seus rituais de aquecimento se alongavam, lá, do barranco, dava pra enxergar um pedaço do campão, que ficava num plano mais baixo, dava pra ver metade do campo, o gol da entrada e o vestiário, naquele exato momento, alguns jogadores chegavam e se aglomeravam do lado de fora do vestiário, começamos a ficar preocupados, o Ronaldo ainda se aquecia, falei pros amigos:
_Pôrra, negão...Vai começar o jogo._Gritou o Chumbinho.
Nas nossa costas, vinham barulhos do teatro, aquecimentos de vozes e instrumentos, viramos e vimos a porta aberta.E estavam alinhadas as minha 3 paixões, o teatro acima, numa linha reta, mais abaixo, tinha a piscina e, mais abaixo, na mesma reta, o campão...mas, era um dilema fácil de resolver, era só descer pro campão, assistir o Grêmio e depois passar no ensaio.
O Ronaldo pulou na água, sabíamos que ele ainda ia demorar em seu aquecimento, que o negão fosse às favas, já havíamos levantado pra descer, quando vimos o Silvinho, vinha correndo pela estradinha, ao lado do lago, passou correndo ao lado da piscina e veio em nossa direção, esperamos ele, ele chegou em nós, mas não parou, arfando disse:
_O Jordão vai cantar.E continuou a corrida, rumo ao teatro, sem saber onde íamos, sentamos, o Ronaldo, que vira o Silvinho correndo, dentro da água, perguntou o que é que estava acontecendo, o Spock gritou:
_O Jordão vai cantar.O Ronaldo balançou a cabeça contrariado.
Lá no campão, alguns jogadores já saiam uniformizados, calças, meiões e camisas pretas, iniciamos a descida do barranco, repentinamente, ouve-se um grito agudo, vindo lá de cima, seguiram-se notas dissonantes e virou melodia, eu estava na metade da descida, virei-me e segui a melodia, quando cheguei no alto do barranco, os amigos passaram correndo e já se aglomeravam, tentando olhar o palco, na porta entreaberta, havia uma cadeira impedindo a porta, ficamos ali, pra esperar alguém abri-la.
Nessa espera, senti que meu tênis estava encharcado, que coisa estranha, dei um tapa na cabeça do Ronaldo:
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