É costume de todos dizer "Na minha época é que era bom", não digo isso nunca, entendo que a minha época é agora, posto que, ainda sou feliz.
Mas, filosofias à parte, vivi a minha adolescência e começo
da juventude nos atribulados anos 80, quando nasceram os sons atuais, logo após
as contestações e delírios do amor livre e a utopia da liberdade que as décadas
anteriores anunciavam, é claro que era gostoso se viver nessa época, mas era
perigoso também. O maior índice de jovens "desaparecidos" da historia
se fez registrar nessa década.
Vivíamos a liberdade, mas o medo espreitava em cada esquina,
cada passeio podia ser o último.
Liberdade era só uma expressão que o Taiguara cantava meninos
feito eu sequer sabia o que significava de fato.
Nas ruas, o policial (que tinha o curso primário) tinha uma
conduta:
Está na rua, não tem testemunha... mata e desova.
Os jovens tinham a sua conduta:
Nunca andar sozinho, andar em bandos dificultava o trabalho
da polícia e te garantia a segurança, além da companhia dos amigos.
As mães tinham o seu código e, esse era o mais poderoso de
todos:
Fazer barulho e ser a testemunha, sempre.
Quando começamos a frequentar os bailes, andávamos todos em
bando, já que, sempre fomos um bando, "o bando dos neguinhos do
Educa", assim éramos chamados nas ruas, havia vários elementos de cor
clara no grupo e mesmo assim eles se chamavam de pretos.
Os primeiros que entraram na nova onda foram o Valdevino, o
Viana e o Rogério (Japonês), que foram ao baile da Chic Show e chegaram ao lar
22 contando do som, do calor e das minas, não nessa exata ordem, a partir desse
dia, os fins de semanas mudaram radicalmente, eu o Biriba, o Dooley, o
Coquinho, o João Augusto, o Tadeu, o Lindolfo, o Breu, o Pelézinho, o Zóinho, o
José Fawstino, o Matiole e mais uma turma, passaram a frequentar as noites e as
matinês balançantes, primeiro em Pinheiros e depois a cidade de São Paulo ficou
pequena.
A essa turma, se juntaram moleques da FEBEM, moradores do São
Jorge e do Jd Peri-Peri e, é claro, alguns moradores da Rua Osvaldo Libarino de
Oliveira, nessa rua a turma se encontrava.
Quando a turma estava completa, chegávamos ao total de 60, às
vezes até mais, sempre juntos, essa era a nossa maneira de se proteger.
E é claro que com tantos elementos, era difícil evitar as
brigas com outras turmas, mas o grande número também servia para evitá-las.
É sabido que, na maioria das vezes, internos não tem mãe, os
que têm estão longe delas, nunca poderíamos contar com a terceira conduta, a
menos que...
Numa noite fria, fomos pra Rua Osvaldão, eu, o Viana, o
Valdevino e o Zóinho, íamos encontrar o Betão e o Cezar e partiríamos pro
Palmeiras, encontraríamos o resto da turma lá na Lapa.
Na metade da rua, notamos que a iluminação caiu, a rua ficou
escura, mas continuamos a caminhada, quando chegamos à casa do Cézar, dois
faróis altos foram jogados em nossas caras, gelamos e ouvimos a frase temida:
_Mãos pra cabeça, aqui é os home.
Sem ter tempo ou pra onde correr, obedecemos e encostamos-nos
à parede da casa do Cézar, fomos revistados e algemados e jogados na viatura,
tudo muito rápido e silencioso, em nossas almas, sentimos que o final havia
chegado, não conseguia enxergar os amigos, mas sabia que eles pensavam como eu,
o bater da porta gelou-nos.
Depois se ouviu o abrir da porta do motorista e o ligar do
motor, clamávamos por um milagre.
De repente ouvimos uma voz conhecida:
_Moço, meu filho está aí?
Era a dona Geralda, mãe do Cézar e do Betão e ela sabia que
seus filhos estavam em casa, tornou a gritar, fazendo com que os policiais
descessem do carro:
_Minha senhora, como é o nome do seu filho? Perguntou-lhe o
policial.
_O nome dele é Roberto Carlos, continuava gritando à senhora.
O policial abriu a porta traseira e jogou a luz do farolete
em nós:
_Tem algum Roberto Carlos aí?Acenamos negativamente.
_Olha minha senhora, o rei deve estar fazendo algum show por aios
demais riram.
Com os gritos da dona Geralda, as casas foram se abrindo e os
vizinhos se aproximaram da viatura.
_Moço eu não estou duvidando da sua palavra, me deixa ver
quem está aí, pode ser que meu filho está com medo de mim.
O policial entendeu, pois até o diabo tem mãe, deixou que ela
ficasse na traseira da viatura e iluminou-nos, para que ela tirasse a dúvida.
_Ah, quem está aí são os meninos do Educa.
Gritando mais alto ainda, passou a dizer os nossos nomes, um
a um.
Quando os policiais bateram a porta e voltaram aos seus
acentos, uma pequena multidão já havia se formado em volta da viatura.
Passearam com a gente, por fim, nos soltaram no Parque da
Previdência, de lá pegamos a condução e fomos pra Lapa.
No dia seguinte, fomos agradecer a dona Geralda, ela deu de
ombros e disse:
_Fiz o que qualquer mãe faria.
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