É certo que eu gosto de falar de mim na terceira pessoa e, por um bom
tempo, eu fui expectador das proezas dos meus amigos, as amizades da infância
são pra sempre.
Não obstante, um dia eu teria que seguir o meu próprio caminho, ser o
norte da minha vida.
Logo na primeira semana que desembarquei em terras Educandárianas, veio
o Jordão e disse pros guris do 14:
_Estão vendo esse gurizinho, tratem bem dele, esse guri é meu primo.
Lógico que isso não era verdade e, esse favor eu fiquei devendo pro
Jordão, que já cuidava de mim, desde a Casa de Infância, isso me deu um
respeito que eu jamais conseguiria, me livrou de ter um caminho difícil.
Eu vinha de um colégio de freiras e nunca havia pisado descalço no
barro, a adaptação à nova vida foi rápida, mas eu gostava de ser, da turma, o
que menos chamava atenção pra si.
Já houveram pessoas que disseram conhecer todos os meus amigos de
infância e assim mesmo, não se lembravam de mim.
Não me magoa, era assim que eu gostava de viver, quase invisível e, isso
tinha uma vantagem.
Quando o caldo entornava, ninguém sabia que eu estava lá e, sempre
escapava das consequências.
No fundo, eu era triste, e esses novos amigos me ensinaram que a alegria
está nas coisas mais simples da vida, andando com eles, eu aprendi a ser feliz
e, pra aprender, eu tive que ser um observador quase invisível.
Gostava de ficar observando o pessoal do teatro, não por ser fã das
artes cênicas e sim pela música, essa turma gostava de peças musicais.
Por não ter idade suficiente, não poderia estar em cena, eu ia assistir
na esperança de aprender e ficava ali, sem que os atores me notassem.
Sempre tive facilidade com as letras, um dia entreguei uma pilha de
papéis ao Jordão e recomendei:
_Se perguntarem, diga que é de sua autoria.
E assim foi feito, a peça foi ensaiada e o Jordão musicou as parte de
poesia, disse pra todos que a autoria era dele.
Eu tinha certeza que, se soubessem, que tinha sido escrita por um guri
de 13 anos, jamais encenariam, alguns dos atores tinham o rei na barriga.
Às vésperas da festa da Liga, o Jordão foi me procurar, disse que a peça
seria representada no dia e que precisava de uma poesia inédita, pra ler no
dia.
Escrevi um poema que falava dos caminhos do Educa, um poema quase
parnasiano, dei-o ao amigo, quando eu ia fazer a recomendação, me disse o
Jordão:
_Tá bem, vou dizer que os versos são meus.
E, diante da presença das senhoras da Liga, com o teatro lotado, os
meninos com suas calças jeans azuis e suas camisas brancas, cada um com o saco
de "bode" na mão, a peça foi encenada e até elas aplaudiram com
entusiasmo, é claro que eu aplaudi mais que todo mundo.
Depois da palestra do padre Paulo, pra encerrar a festa, veio o Jordão
com ar imponente, tomou o microfone e interpretando com fervor, recitou o
poema.
O amigo era tão bom que, o poema empolgou a plateia, ficou o Jordão a
esperar o termino dos aplausos, uns cinco minutos.
Quando se fez o silêncio, o Jordão falou:
_Senhoras e senhores, tanto a peça como o poema que acabei de recitar
não são meus, são de um amigo.
Entre as cadeiras da turma do 14 não havia como me esconder, assim
mesmo, eu tentei.
A expectativa se fez no público e o Jordão me procurava na plateia, como
não me achou, gritou em alto e bom som:
_O autor é Nilton Victorino Filho.
Ainda abaixado, ouvi a salva de palmas, os meninos do 14 aplaudiam mais
que todos, na saída todos me olhavam e cumprimentavam.
Depois desse dia ficou difícil passar pelas pessoas e não ser
reconhecido passou duns 50 amigos pra mais de 200 e nunca mais fui invisível.
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