Seu Tinoco
Aprendi, muito cedo, que todo mundo tem histórias pra contar, a pessoa que vive tem História. Sempre fui amante da história da humanidade, qualquer pessoa que andou sobre a terra, contribuiu, ainda que não saiba, pra contar um pouco dela.
Acabei de me lembrar do seu Francisquinho, vô da Cristiane Idalia, que nas tardes ociosas de sábado, me contava das aventuras da juventude dele, envolvido no cangaço, na Bahia. Toda pessoa, que tenha uma idade avançada, tem várias histórias, então eu parava, ouvia e guardava e, por ser apaixonado pela matéria, procurava classifica-lá no espaço-tempo.
Como eu disse antes, o seu Tinoco era mais conhecido pelo mau humor e por ser sovina, já que, as cadernetas de poupanças e o dinheiro da condução era com ele, dono de uma memória de elefante, sabia quanto, todo mundo devia. Tive o prazer de ver o Tinocão encostando o diretor (Domingão) na parede, pra cobrar-lhe o que devia.
Como eu disse, era um contador à moda antiga, de lápis preto e livro caixa, tirando alguns textos que ele ditava, pra constar dos autos, o resto eram histórias e fotos antigas, contava do tempo que a avenida Heitor Antonio Eiras Garcia, nada mais era que, uma trilha de tropeiros e que, foi por essa picada, que chegaram as armas que foram usadas pelo regimento avançado de Pinheiros, vindas do Paraná, na briga contra a ditadura de Vargas.
Dentro de uma escrivaninha, havia um fundo falso, dentro deles centenas de fotos, quando ele contou a história da primeira foto, as outras foram brotando, cada dia uma, as vezes, uma foto dava história pra 3 ou 4 dias, "histórias de um coração que, se fechou"... Ele gostava de contar, meu mundo enriquecia à cada narrativa e, ele era minucioso, nas datas e nas sensações, como se revivesse tudo.
Uma certa manhã, achei uma foto, dessas fotos comuns dos anos 20, a clássica foto de moça com chapéu, decote de babado e broche no peito, a moça era de uma beleza tal, que o retrato se sobressaía no monte, peguei a foto e a coloquei na mesa, ao vê-la, o olhar se perdeu, foi a primeira vez, que eu o vi pesaroso e frágil.
Contou de uma menina, que estudara com ele e um amigo, os 3 fizeram o colégio e o curso técnico, numa Universidade de nome, ele e a moça estavam de casamento marcado e iriam pro Acre, cuidar de seringais, estavam no Boom da borracha. De repente os 2 fugiram, casaram-se e foram pra selva.
No fim da narrativa, seus olhos estavam marejados e eu estava indignado:
_ Pô, seu Tinoco... tá aí uma história que eu não precisava ouvir, deprê.
Fiquei triste, como quem havia descoberto a raiz de tudo. Vendo a minha tristeza, ele tocou a mão no meu ombro e disse:
_ Fica triste não... eu não estou aqui???
_ Sim.
_ E então, tem 50 anos que esses cachorros morreram de tifo, no meio da selva Amazônica e desatou a rir da minha cara. _Você achou que eu fosse ranzinza por isso??? _ Faço cara feia, pra ninguém me pedir dinheiro.
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