sábado, 14 de dezembro de 2013

Os amigos


Nunca fui de panelinhas, por conta disso, sempre tive muitos amigos, se tem uma coisa que eu aprendi no EDD, foi respeitar as opiniões alheias, posto que, havia lá gente de todas as raças e, gostos diferentes. Não vou dizer que não ganhei inimigos, longe disso, é claro que eu os tinha, mas, eram tão poucos que, dava pra contá-los nos dedos, digo que, por ser muito tolerante, tinha muito mais amigos que inimigos.
E...pulamos pro ano de 1982, eu já estava com 16 e morava no lar 22... todos os maiores foram juntados nesse pavilhão, faltava pouco pra eu ganhar o mundão.
Eu trabalhava na Procuradoria Geral do Estado, tinha a honra de ser office boy da repartição, nesse momento, já estava voltando pra casa. Vestia um macacão jeans azul e uma camisa do Chicago Bulls, sandálias franciscanas sem meias, meu garfo de madrepérolas reluzia no bolso do macacão, de quando em quando, eu o empunhava e ajeitava o black power.
Eu me encontrava na praça das Bandeiras e esperava, na fila, o Jardim Arpoador da Viação Castro, já fazia um tempinho que, ali tinha chegado,mas como não queria viajar de pé, pulei pra fila do lado, estava quase me arrependendo de ter ficado. A cidade estava triste, no dia anterior um tal de Paolo Rossi havia eliminado o Brasil, em Sarriá, alguma pessoas ainda usava a camisa canarinho. Alguém gritou meu nome e pus-me a procurar, avistei-o, vindo dos lados da 9 de Julho, era o Zé Pereira, mais conhecido pela alcunha de Zangão (pav 17), meu velho amigo de infância, cumprimentamo-nos e ele ficou ao meu lado na fila, as pessoas que estavam atrás de mim, ameaçaram reclamar, ele deu uma encarada nas pessoas e elas se conformaram, eu sabia que ele não iria seguir no ônibus, só parou ali pra falar comigo, tinha um tempinho que ele saíra do colégio, por conta própria. Perguntei onde afinal ele estava morando - num quarto, na Baixada do Glicério - respondeu ele. Então passamos a falar de bailes, de jogos e meninas.Reparei que, enquanto ele conversava comigo, ficava olhando as pessoas que transitavam, principalmente as mulheres, as de mais idade, pra ser mais claro. E não adiantava, sempre o assunto voltava pro futebol, já falávamos do Paolo Rossi quando, de repente ele falou: - Péra aí, que eu já volto. Velocista, que era iniciou uma arrancada e, impulsionado por seu Reebok de sola aérea, correu muito rápido, em direção á rua Falcão e num bote rápido, subtraiu a corrente do pescoço da senhora que subia a passarela de madeira, segundos depois, a senhora já refeita do susto, passou a gritar, as pessoas nas filas dos ônibus que faziam os itinerários deSanto Amaro passaram a gritar:_Pega ladrão.O Zé já vinha em minha direção, com a mão direita aberta, estiquei a minha, na passagem ele bateu, longe ele gritou: - Até... e se foi, rumo à Avenida 9 de Julho, pouco depois passou um bando de gente - Pega ladrão.
Só pra conferir a opinião do povo, olhei pra trás, pra ver as pessoas, no que eu olhei, todo mundo baixou a cabeça, tirei o garfo do bolso e ajeitei o black... e, nada do buzão da Castro. Algumas das pessoas que correram atrás do meu amigo voltaram com caras de decepção.
Subitamente, uma mulher gritou o meu nome, levantei os calcanhares, pra poder ver além das pessoas da fila, vinha, lá da avenida 23 de Maio, uma mulata muito bonita, roupas apertadas, num corpo muito bem torneado, acompanhada de um perfume de jasmim, nessa altura, não houve ninguém que estivesse na praça, que não a tinha visto. Muito confuso, esperei que ela tomasse fôlego, pra eu descobrir como diabos ela me conhecia.
A mulher pousou as mãos nos meus ombros, frente à frente, aproximou seu rosto do meu e perguntou:
- Não se lembra de mim??
- Juro que não... respondi sem jeito.
- Eu sou o Sebastião, bobinho.
- É... o que, minha senhora??? Já tirando as mãos dos ombros e me afastando.
- O Sebastião do pavilhão 14, sou eu.
E passou a contar suas aventuras, shows na avenida Rio Branco, viagens pra Itália, Espanha, disse que morava numa Kit, no Edifício Copan, mas, lembrando o passado, falou de seus tempos de goleiro... Nesse momento o ônibus encostou, despedi-me e segui a fila, subi no ônibus, quando me sentei, pensei comigo: 
- Que mundo louco, os caminhos que as pessoas seguem...
Foi a última vez que vi os dois amigos. 

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