terça-feira, 31 de dezembro de 2013

As madrugadas

Todo mundo tem, por habito, dizer que a sua época foi a melhor. E... eu ??? Eu vivi a adolescência nos efervescentes anos 80, depois dos hippies e daqueles malucos com cabeleiras enormes, da liberação sexual e antes do HIV,  fazíamos amigos nos bailes e brigávamos com desafetos, com a mesma naturalidade. Nos bailes black se ouvia muito Tim Maia, Cassiano e Bebeto e.. então veio o Funk.
Se os nossos predecessores (os caras do Soul), se acabavam na cachaça e mantinham a malandragem na base do romance, ouvindo Rock Samba e trajando seus ternos com coletes, nós nos vestíamos com calças de vinco, sapatos de duas cores e jaquetas de couro, geralmente as duas gerações tinham os seus ambientes próprios, mas, na periferia a coisa se misturava, em muitas casas, fazia-se bailes.
Todo mundo, que tinha muitos LPs, duas caixas de som e um toca-discos, limpava a sala e abria as portas pras pessoas dançarem, as pessoas (geralmente em turmas) seguiam condutas, uma espécie de código de convivência. Algumas meninas, que conviveram com a geração do Soul, se repaginaram e agora eram "minas" dos moleques do Funk.
Em 1981, todos os maiores de 14 anos foram transferidos pro lar 22, tinha tudo pra dar errado e, contrariando todos os prognósticos, deu certo, estando todos no mesmo pavilhão, começou uma nova era em nossas vidas, todo mundo se conhecia à muito tempo, mas não havíamos convivido no mesmo espaço.
No começo, o lar era cuidado por emergentes, pelo fato de ninguém se arriscar a cuidar de um pavilhão, que mais parecia um barril de pólvora... imagine o leitor, uma casa com 45 jovens, entre 14 e 18 anos, os candidatos corriam de medo. E então, surgiu do nada, um cara chamado Paulo Palaia... esse não tinha medo de nós, falava alto, xingava palavrões e brincava, de igual pra igual, contava coisas da vida e dava conselhos, de quebra levava alguns pro Morumbi pra assistir jogos, (essa última eu não ressaltava) pois sou corinthiano e o Paulo era membro da torcida Independente.
  Como tínhamos o habito dos bailes, nos fim de semana, ficou acertado assim: quem não entrasse até a meia noite, só podia entrar no pavilhão no dia seguinte, depois das 6:00 da manhã e com a obrigação da boa conduta, se na semana, alguém procedesse mal, o Paulo batia a palma na mão, em copo e gritava:
- Se fodeu, tá de castigo no fim de semana.
Sem termos pra onde voltar, até o sol sair, curtíamos a noite em toda a plenitude, onde houvesse um barulho, lá estava a turma do EDD, nessa época, ficamos tão famosos nas redondezas, que éramos chamados de "neguinhos do Educa", um baile não estava completo sem a nossa presença.
Eu, sempre com o meu amigo Viana, o Valdevino, o Tadeu, o Faustino, o Zóinho, o Lindolfo, o José Augusto, o Pelézinho, o Dooley, o Breu, o Japones, os dois Djalmas e muitos outros, andávamos sempre juntos, andar juntos era uma medida de segurança, se alguém fosse pego pela polícia desacompanhado era velório garantido (sem garantias de corpo presente).
Ainda que fossemos mestres na arte da dança e na música, as meninas da nossa geração não nos acompanhavam, as da geração anterior nos acompanhavam, em termos de sexo, elas não deixava a desejar, mas, o que mais fazia justiça à essas criaturas era o termo "chave de cadeia".
A maior parte delas tinham mais de 25 anos, algumas eram mães e a maioria era mulher de bandido e eu não vou nomeá-las, posto que, algumas das que sobraram, são digníssimas e queridas vovós de famílias agora.
O bairro do João XXIII era a área do Pivete e seu bando, nunca foi solo livre pra nós, ninguém de nós arriscava em andar com pouca gente por lá, se alguns dos nossos rivais nos vissem sozinhos... um abraço.
Numa madrugada, quando íamos de um baile da favela do Uirapurú, rumo à outro baile no Amaralina, ao perceber que uma Kombi se aproximava, a garota que acompanhava o Zóinho e a que estava me abraçando soltaram-nos e desapareceram na noite, não podemos ver pra que lado elas haviam ido, pois os faróis do carro nos ofuscava a visão, ao emparelhar conosco, ouvimos uma ordem de dentro da Kombi :
- Todo mundo na parede, mãos na cabeça.
   Fomos pra parede e levantamos as mãos, de dentro do carro desceram uns caras armados, não eram policiais e sim bandidos, uns cinco e o armamento daria inveja na policia, passaram a revistar-nos, o Zóinho tremia feito vara verde, foi aí que eu entendi do que se tratava, o chefe deles tirou a minha carteira profissional do bolso, com uma lanterna passou a ler os pormenores, como se fosse meganha.
- O que é almoxarife? perguntou.
  Quando eu ia responder, um dos capangas respondeu que era o profissional que trabalha no almoxarifado, ele mandou que nos virássemos para ele, perguntou se algum de nós estávamos saindo com a mulher dele, todos nós negamos, o Zóinho continuava a tremer compulsivamente, o Pivete perguntou qual de nós tínhamos a alcunha de Zóinho, todos negamos, ele não se deu por satisfeito e quis saber o motivo daquele moleque que tremia ter os olhos tão
pequenos.
- Acabei de fumar um baseado, agorinha mesmo, meu nome é Everaldo.


Um comentário:

  1. Na verdade o nome do Zóinho era Abelardo, ele o achava horroroso e então, resolveu adotar o nome do lateral de 70.

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