Em 1980, eu já estudava no E.E.P. G Alcides da Costa Vidigal, fui
transferido por organizar uma pequena greve estudantil, no E.E.P. G Luís Elias
Atiê (por conta de questionar a legitimidade do então governador Maluf, mas isso, é outra história.
O que seria um castigo acabou me
ajudando a ampliar os horizontes (geográfica e socialmente) e, ser o único
preto, numa escola com a maioria branca foi muito bom, foi como chegar à selva,
no alto da cadeia alimentar, no primeiro dia de aula, pra causar uma ótima
impressão, apareci com um corte moicano, um acinte, aos olhos desacostumados
dos alunos da escola do Jardim Peri-Peri, pude perceber que os mais cabulosos da
escola ficaram com medo... E murmuravam:
_ Além de preto, o cara é da
F.E.B.E.M.
Mas, foi só pressão, aos poucos,
fui mostrando que era do bem, fiquei amigo de todos e, até hoje, conservo
algumas dessas amizades. E, não me aconteceu coisa pior, porque o Padre Paulo
me protegeu... O carimbo de subversivo no histórico escolar e a recomendação
pra eu não participar de qualquer atividade de cunho político, saiu bem barato.
Foi por essa época, que todos os grandes foram transferidos pro lar 22, isso foi a melhor coisa que poderia ter acontecido, todos os doidos, de todos os pavilhões, juntos.
Foi por essa época, que todos os grandes foram transferidos pro lar 22, isso foi a melhor coisa que poderia ter acontecido, todos os doidos, de todos os pavilhões, juntos.
Temia-se que se começasse uma
guerra, tinha o precedente dos últimos dias da administração da Dona Camila,
quando vários internos dos pavilhões 12, 13 14 e 17 invadiram e depredaram a residência
dela, pra resgatar o Luís Antônio, que havia sido levado (algemado) pelo marido
dela, um ex-policial, de maus bofes.
O bando já se preparava para invadir a residência, quando a polícia chegou, ninguém recuou e só saiu depois que o amigo foi libertado.
Daí, seguiu-se vários desinternamentos (os cabeças da manifestação) e a gradativa saída da equipe administrativa.
O bando já se preparava para invadir a residência, quando a polícia chegou, ninguém recuou e só saiu depois que o amigo foi libertado.
Daí, seguiu-se vários desinternamentos (os cabeças da manifestação) e a gradativa saída da equipe administrativa.
Pelo fato de eu ter me saído muito
bem na nova escola, o colégio passou a mandar mais internos para estudar lá,
logo, o Jardim Peri-Peri passou a ser frequentado pelos "neguinhos do
Educa". Entenda-se que, quando eu escrevo neguinho, não estou falando de
raça ou cor da pele, nessa época, muito branco se chamava de nêgo... Passava
laquê no cabelo e moldava um Black Power, andavam no meio dos pretos, como se
pretos fossem, era muito engraçado, vê-los apavorados, quando a chuva ameaçava
de cair.
No movimento, a coisa cresceu, a
região do Butantã ficou estreita, já não podia satisfazer a nossa fome de
domínio, passamos a frequentar os bailes de Pinheiros, mais amizades se
juntaram ao grupo e passamos a frequentar todas as casas que tocavam o som Black,
em Sampa, em Osasco e Santo Amaro.
Estávamos em plena ditadura, com
sede de mudanças, o sonho de mudar o país ficou pra depois, o jovem da
periferia queria mudar a sua própria condição, ser respeitado como jovem, essa
era a bandeira.
Usando uma postura racista, que
pregava o ódio aos brancos, alguns DJs e produtores de bailes, se destacaram
nesse tempo, mais tarde se descobriu a verdadeiras intenções (muitos deles,
foram eleitos para cargos públicos) eram perigosas às palavras que eles
pregavam, a essa altura a tensão aumentou nas ruas, se um branco andasse na rua
e vinha um preto em sua direção, em pânico, mudava de calçada. Alguns amigos
saíam para passear e diziam:
_Vamos ali, fazer uns boys.
Um dia, o Valdevino e o Viana, que
sabiam da minha crescente disposição pras brigas, me convidaram pra esse
"rolê", disse a eles que declinava do convite, não achava certo, essa
coisa de bater em alguém pela diferença da sua cor ou postura social e, como se
eles quisessem mais explicações, lembrei-lhes que meu pai era branco, chovia na
Rua Paes Leme, saímos, os três abraçados, nunca mais, eles fizeram tal coisa.
No Palmeiras, uma equipe que se
dizia o máximo da produção musical, apresentaria um show do Gilberto Gil, na
época ele lançava a música Palco, que tinha um arranjo bem Funk.
O que falta, nas pessoas que só pensam em dinheiro, é a visão. A pessoa mais mal informada saberia que, o grosso das pessoas que gostam do Gil, são pessoas desprovidas de racismo e jamais o contrataria pra cantar numa casa de exclusividade racial.
Sabendo que iria dar o que falar, cheguei muito cedo, a música ecoava na pista... One Wai, Bráss Construction e tome Funk na moçada, a certa altura, começou a entrar os fãs do Gil, gente de trancinhas, jeans desbotados e chinelões... Na maioria, gente de cor clara.
O que falta, nas pessoas que só pensam em dinheiro, é a visão. A pessoa mais mal informada saberia que, o grosso das pessoas que gostam do Gil, são pessoas desprovidas de racismo e jamais o contrataria pra cantar numa casa de exclusividade racial.
Sabendo que iria dar o que falar, cheguei muito cedo, a música ecoava na pista... One Wai, Bráss Construction e tome Funk na moçada, a certa altura, começou a entrar os fãs do Gil, gente de trancinhas, jeans desbotados e chinelões... Na maioria, gente de cor clara.
E, por não serem afeitos à música
ambiente, andaram entre os dançantes, alheios a tudo, tudo aquilo não lhes
dizia nada... E, enquanto os blacks dançavam suas coreografias ensaiadas, passaram a se sentar na pista, pra esperar o Gil chegar.
Todos acharam estranho, tudo aquilo... tic, tac...podia-se ouvir a bomba relógio no ar, as rodinhas de dança se comprimiam, não havia espaço na pista...tic, tac.
Todos acharam estranho, tudo aquilo... tic, tac...podia-se ouvir a bomba relógio no ar, as rodinhas de dança se comprimiam, não havia espaço na pista...tic, tac.
Indignado, o DJ desligou a música, um breve silencio ameaçador, ele abriu o microfone e passou a reclamar da postura
das pessoas que estavam sentadas na pista, disse-lhes que aquele era um lugar
sagrado para a prática da dança, o que elas faziam era desrespeitar o ambiente
e não se esqueceu de classifica-las de "gente branca”.
Ainda que se fizesse um silencio sombrio na plateia, eu ainda ouvia... tic, tac, tic, tac...
Ainda que se fizesse um silencio sombrio na plateia, eu ainda ouvia... tic, tac, tic, tac...
O que o DJ não sabia, é que o Gil
já estava em seu camarim, viu a situação e entrou no palco, antes que as
palavras do DJ alcançassem seus objetivos, tomou lhe o microfone e disse-nos:
Vocês estão vendo o que estamos
virando? Estamos virando "eles”... depois disso vamos fazer o que?...
E, seguiram-se 10 minutos de inteligência contra a boçalidade das pessoas que discriminam outras pessoas, todos a escutar
o Gil em silencio, ao final da aula, seguiu-se um silencio perturbador, havia
cessado o tic, tac... As pessoas de cor preta passaram a se sentar na pista e
todos aplaudiram, mas não aplaudiram o palestrante, aplaudiam as pessoas.
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