sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Um jogo arranjado.

  Que me desculpem as mulheres, mas as melhores lembranças da vida de um cara, tem futebol. Antes do dinheiro, antes do amor, do suor, do sangue e da cerveja, nada ofusca o brilho da bola e, a história mais insossa, na saudade de um cara, vira lirismo. O jogo mais besta do mundo, vira uma batalha de proporções gigantescas, o adversário tem super-poderes de um vilão e a gente se vê numa arena, nossa arma é a bola.
  Em 1979, depois da morte do Celso (afogado, no lago do 24) , o colégio passou por uma reformulação sem precedentes, a diretoria sucumbiu e, ainda se juntou a isso, o fato de o André ter perdido 3 dedos na máquina de tijolos da olaria. A questão da violência contra o menor, que nunca havia sido colocada em pauta, surgiu com tal força, que, a diretoria sofreu seu golpe fatal.
  Repentinamente, choveu repórteres e deputados, durante uns dias, a ilha de paz que era o E.D.D, virou um inferno, por módicos 10.000 cruzeiros, eu, o Zé Almir e o Lourival contamos tudo, sentados na casinha do campão, o repórter do Estadão anotava tudo em seu caderninho, depois pagou uma caixa de Tubaínas, no bar do Barroso, isso foi a maior negociação de todos os tempos, que um guri de 12 anos podia ter feito, "a cara nem ficou vermelha".
  No 14, tivemos a alegria de ver o Odilon ser demitido e, como estávamos acostumados a ser tratado com ignorância, demoramos a nos acostumar com  o novo casal... o Claudio e a Márcia eram pessoas que entendiam de crianças, não gritavam, não batiam e ensinavam, toda a produção agrícola do pavilhão (bananas, abacates, milho, mandioca) passou a ser repassada para os menores que trabalhavam na enxada.
  Como o Claudião não entendia nada de táticas de futebol, deixou por nossa conta, montar o time pro campeonato interno, estava por nossa conta, honrar a tradição do 14, no futebol.
  A Márcia, que era muito amiga da esposa do Doutor Sócrates, conseguiu-nos um uniforme novinho, com as cores do Botafogo de Ribeirão Preto, quem entregou o uniforme foi o seu Raimundo, pai do Doutor.
  E como ele ia passar dois dias hospedado no pavilhão 14, desceu pro campo, pra bater uma bolinha, foi a primeira vez que eu e o Viana batemos num cara de meia idade. Enquanto subíamos o barranco, que levava ao pavilhão, o Viana disse, sorrindo:
  _Caramba, você desceu o cacete no pai do seu ídolo!
  _Amigo, se fosse o próprio, eu bateria mais.
  Nós eramos os volantes do time, o Feliz era o terceiro membro do tripé de meio campo, o Adilson (Ovinho) era o centro avante, meu irmão Nilson, apesar de não ter idade, era um zagueiro excepcional, o Maméde e o Zé Antonio atacavam nas pontas, nosso goleiro Marcos era baixo, mas, voava.
  Um time de caras esforçados, medianos, não fosse por um detalhe, tínhamos o Tadeu, esse era um dos maiores, de todos os craques do E.D.D, digo isso, sem medo de contestações. Nossa tática era simples, os 10 entravam para equilibrar o jogo e o Tadeu desequilibrava, para garantir que ninguém o marcasse, ele jogava de libero, à ele caberia a camisa 10, mas o Pelé estigmatizou esse numero tanto, que ninguém queria vesti-la, no primeiro jogo eu demorei pra chegar, só havia uma camisa no banco do vestiário, tentei argumentar com meus companheiros de meio, os dois fizeram que não me ouviram e, então lá estava eu, com a 10, do glorioso time do 14, o adversário era o 19, do Arthur e o Gilvan, a tática foi perfeita e, ainda que eu tivesse feito 2 gols de falta e termos vencido o jogo de 5 x 0, o tempo todo, alguém gritava:
  _Ô pião, a camisa está pesando???
  Dona Márcia, que assistira o jogo todo, viu que eu estava incomodado com aquilo, levou a minha camisa pra rouparia e trocou o número 0 pelo 9, a mulher era uma santa, durante a partida, entendemos porque o seu Claudio não quis ser o técnico do nosso time, quando o jogo terminou, ele estava chorando.
  Além de jogar no time dos médios, eu era o técnico dos menores, se no meu time reinava a democracia, os pequenos sofriam com meu comando e, eu já era absolutista, naquele tempo.
  No meio do campeonato, não restava dúvidas com relação ao nosso favoritismo, vinhamos ganhando bem, todos os jogos, fechamos a fase classificatória tão bem, que ficamos a um empate da classificação pras quartas de final, no jogo contra o 16, a situação era a seguinte: Se ganhássemos o jogo, o 22 seria classificado, se houvesse um empate, o 16 ficaria classificado, nos dois casos, nós já estávamos garantidos na fase seguinte. E não dizem que o diabo é sujo!?? A maioria do time resolveu manipular tudo, tirando eu e o Tadeu, o resto do time resolveu que o classificado seria o time do 16, pelo fato desses, terem mais afinidade e amizade com a nossa turma, lá haviam os nossos amigos Faustino, o Claudio (Farofa), o Cleiton, o Claudio e Flávio Monteiro (irmãos do Bruxa), os irmãos Brigido e ainda tinha o fato de os laristas Roberto e Marlene terem ficado um tempo conosco, a gente gostava tanto do casal, que passamos a visitá-los no 16.
  E fez-se o acordo, o Viana e o Farofa se conversaram, tudo certo, o Tadeu e eu, prometemos acatar a decisão da maioria. Foi o jogo mais calmo que o Luis Paulo apitou na vida, tirando o fato de o Farofa ter quebrado o braço, a partida não teve emoções, inconformado, o Tadeu ficou na defesa, toda bola que ele ganhava, dava um estouro pro alto, normalmente ele sairia em contra ataque e levava a bola até o outro gol, no segundo tempo, passou pela nossa cabeça que o Cleiton não sabia do acordo e como ele estava se esforçando demais, foi devidamente levantado.
  Não sei se foi por má fé ou sorte, a coisa deu pra trás, faltando uns 5 minutos pro final, depois de um chute do Cleiton, nosso goleiro Marcos jogou a bola pra escanteio, ninguém se posicionou direito na marcação, o Faustino ajeita a bola com carinho, com uma perfeição impressionante bate de pé direito, a bola cruza toda a extensão da linha de fundo, rodando e em linha reta, sem reação, o Marcos vê a bola passar dentro do seu gol, antes de se confirmar o gol, o Cleiton sobe e bate a testa, apesar do gol ser do Faustino é o Cleiton que sai comemorando.O Marcos estava no chão, eu estava no segundo pau, abaixei-me e peguei a bola, ia levá-la pro meio de campo, antes de eu chegar na área grande o Tadeu pegou a bola da minha mão, ele bufava de raiva, nunca tinha visto o amigo com tanta raiva, colocou a bola na marca da cal e me esperou chegar, os caras do 16 demoravam ainda na comemoração, o Tadeu olhava pro juiz ansioso, o juiz apitou, toquei de chapa na bola, do meio até o gol haviam 5 jogadores, com 3 toques, ele os tirou de tempo, o goleiro se deitava a seus pés, com um toque cobriu o goleiro, a bola ia entrando, ele a alcançou e bateu com força, a bola estufou a rede e como ela estava muito esticada, voltou-lhe nas mãos, não comemorou, tratou de levar a bola pro meio, entregou-a nas mãos do arbitro e voltou para a meia lua.
  Sentimo-nos aliviados, o Tadeu ainda bufava, a cólera o deixava vermelho, dava a impressão de não respirar. O time deles reiniciou o jogo, roubei a bola e passei na direita, nos pés do Zé Antonio, o Zé parou a bola, quando ia correr com ela o Tadeu passou, feito uma bala, tomou-lhe a bola e partiu em diagonal, fintou dois e na entrada da área, bateu de peito de pé, a bola foi morrer no segundo pau, no angulo, dessa vez ele saiu comemorando.