terça-feira, 31 de dezembro de 2013

As madrugadas

Todo mundo tem, por habito, dizer que a sua época foi a melhor. E... eu ??? Eu vivi a adolescência nos efervescentes anos 80, depois dos hippies e daqueles malucos com cabeleiras enormes, da liberação sexual e antes do HIV,  fazíamos amigos nos bailes e brigávamos com desafetos, com a mesma naturalidade. Nos bailes black se ouvia muito Tim Maia, Cassiano e Bebeto e.. então veio o Funk.
Se os nossos predecessores (os caras do Soul), se acabavam na cachaça e mantinham a malandragem na base do romance, ouvindo Rock Samba e trajando seus ternos com coletes, nós nos vestíamos com calças de vinco, sapatos de duas cores e jaquetas de couro, geralmente as duas gerações tinham os seus ambientes próprios, mas, na periferia a coisa se misturava, em muitas casas, fazia-se bailes.
Todo mundo, que tinha muitos LPs, duas caixas de som e um toca-discos, limpava a sala e abria as portas pras pessoas dançarem, as pessoas (geralmente em turmas) seguiam condutas, uma espécie de código de convivência. Algumas meninas, que conviveram com a geração do Soul, se repaginaram e agora eram "minas" dos moleques do Funk.
Em 1981, todos os maiores de 14 anos foram transferidos pro lar 22, tinha tudo pra dar errado e, contrariando todos os prognósticos, deu certo, estando todos no mesmo pavilhão, começou uma nova era em nossas vidas, todo mundo se conhecia à muito tempo, mas não havíamos convivido no mesmo espaço.
No começo, o lar era cuidado por emergentes, pelo fato de ninguém se arriscar a cuidar de um pavilhão, que mais parecia um barril de pólvora... imagine o leitor, uma casa com 45 jovens, entre 14 e 18 anos, os candidatos corriam de medo. E então, surgiu do nada, um cara chamado Paulo Palaia... esse não tinha medo de nós, falava alto, xingava palavrões e brincava, de igual pra igual, contava coisas da vida e dava conselhos, de quebra levava alguns pro Morumbi pra assistir jogos, (essa última eu não ressaltava) pois sou corinthiano e o Paulo era membro da torcida Independente.
  Como tínhamos o habito dos bailes, nos fim de semana, ficou acertado assim: quem não entrasse até a meia noite, só podia entrar no pavilhão no dia seguinte, depois das 6:00 da manhã e com a obrigação da boa conduta, se na semana, alguém procedesse mal, o Paulo batia a palma na mão, em copo e gritava:
- Se fodeu, tá de castigo no fim de semana.
Sem termos pra onde voltar, até o sol sair, curtíamos a noite em toda a plenitude, onde houvesse um barulho, lá estava a turma do EDD, nessa época, ficamos tão famosos nas redondezas, que éramos chamados de "neguinhos do Educa", um baile não estava completo sem a nossa presença.
Eu, sempre com o meu amigo Viana, o Valdevino, o Tadeu, o Faustino, o Zóinho, o Lindolfo, o José Augusto, o Pelézinho, o Dooley, o Breu, o Japones, os dois Djalmas e muitos outros, andávamos sempre juntos, andar juntos era uma medida de segurança, se alguém fosse pego pela polícia desacompanhado era velório garantido (sem garantias de corpo presente).
Ainda que fossemos mestres na arte da dança e na música, as meninas da nossa geração não nos acompanhavam, as da geração anterior nos acompanhavam, em termos de sexo, elas não deixava a desejar, mas, o que mais fazia justiça à essas criaturas era o termo "chave de cadeia".
A maior parte delas tinham mais de 25 anos, algumas eram mães e a maioria era mulher de bandido e eu não vou nomeá-las, posto que, algumas das que sobraram, são digníssimas e queridas vovós de famílias agora.
O bairro do João XXIII era a área do Pivete e seu bando, nunca foi solo livre pra nós, ninguém de nós arriscava em andar com pouca gente por lá, se alguns dos nossos rivais nos vissem sozinhos... um abraço.
Numa madrugada, quando íamos de um baile da favela do Uirapurú, rumo à outro baile no Amaralina, ao perceber que uma Kombi se aproximava, a garota que acompanhava o Zóinho e a que estava me abraçando soltaram-nos e desapareceram na noite, não podemos ver pra que lado elas haviam ido, pois os faróis do carro nos ofuscava a visão, ao emparelhar conosco, ouvimos uma ordem de dentro da Kombi :
- Todo mundo na parede, mãos na cabeça.
   Fomos pra parede e levantamos as mãos, de dentro do carro desceram uns caras armados, não eram policiais e sim bandidos, uns cinco e o armamento daria inveja na policia, passaram a revistar-nos, o Zóinho tremia feito vara verde, foi aí que eu entendi do que se tratava, o chefe deles tirou a minha carteira profissional do bolso, com uma lanterna passou a ler os pormenores, como se fosse meganha.
- O que é almoxarife? perguntou.
  Quando eu ia responder, um dos capangas respondeu que era o profissional que trabalha no almoxarifado, ele mandou que nos virássemos para ele, perguntou se algum de nós estávamos saindo com a mulher dele, todos nós negamos, o Zóinho continuava a tremer compulsivamente, o Pivete perguntou qual de nós tínhamos a alcunha de Zóinho, todos negamos, ele não se deu por satisfeito e quis saber o motivo daquele moleque que tremia ter os olhos tão
pequenos.
- Acabei de fumar um baseado, agorinha mesmo, meu nome é Everaldo.


segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Ao mestre, com carinho.

 

Em 1980, eu já estudava no E.E.P. G Alcides da Costa Vidigal, fui transferido por organizar uma pequena greve estudantil, no E.E.P. G Luís Elias Atiê (por conta de questionar a legitimidade do então governador Maluf, mas isso, é outra história.
  O que seria um castigo acabou me ajudando a ampliar os horizontes (geográfica e socialmente) e, ser o único preto, numa escola com a maioria branca foi muito bom, foi como chegar à selva, no alto da cadeia alimentar, no primeiro dia de aula, pra causar uma ótima impressão, apareci com um corte moicano, um acinte, aos olhos desacostumados dos alunos da escola do Jardim Peri-Peri, pude perceber que os mais cabulosos da escola ficaram com medo... E murmuravam:
  _ Além de preto, o cara é da F.E.B.E.M.
    Mas, foi só pressão, aos poucos, fui mostrando que era do bem, fiquei amigo de todos e, até hoje, conservo algumas dessas amizades. E, não me aconteceu coisa pior, porque o Padre Paulo me protegeu... O carimbo de subversivo no histórico escolar e a recomendação pra eu não participar de qualquer atividade de cunho político, saiu bem barato. 
  Foi por essa época, que todos os grandes foram transferidos pro lar 22, isso foi a melhor coisa que poderia ter acontecido, todos os doidos, de todos os pavilhões, juntos.
  Temia-se que se começasse uma guerra, tinha o precedente dos últimos dias da administração da Dona Camila, quando vários internos dos pavilhões 12, 13 14 e 17 invadiram e depredaram a residência dela, pra resgatar o Luís Antônio, que havia sido levado (algemado) pelo marido dela, um ex-policial, de maus bofes. 
  O bando já se preparava para invadir a residência, quando a polícia chegou, ninguém recuou e só saiu depois que o amigo foi libertado.
  Daí, seguiu-se vários desinternamentos (os cabeças da manifestação) e a gradativa saída da equipe administrativa.
  Pelo fato de eu ter me saído muito bem na nova escola, o colégio passou a mandar mais internos para estudar lá, logo, o Jardim Peri-Peri passou a ser frequentado pelos "neguinhos do Educa". Entenda-se que, quando eu escrevo neguinho, não estou falando de raça ou cor da pele, nessa época, muito branco se chamava de nêgo... Passava laquê no cabelo e moldava um Black Power, andavam no meio dos pretos, como se pretos fossem, era muito engraçado, vê-los apavorados, quando a chuva ameaçava de cair.
  No movimento, a coisa cresceu, a região do Butantã ficou estreita, já não podia satisfazer a nossa fome de domínio, passamos a frequentar os bailes de Pinheiros, mais amizades se juntaram ao grupo e passamos a frequentar todas as casas que tocavam o som Black, em Sampa, em Osasco e Santo Amaro.
  Estávamos em plena ditadura, com sede de mudanças, o sonho de mudar o país ficou pra depois, o jovem da periferia queria mudar a sua própria condição, ser respeitado como jovem, essa era a bandeira.
  Usando uma postura racista, que pregava o ódio aos brancos, alguns DJs e produtores de bailes, se destacaram nesse tempo, mais tarde se descobriu a verdadeiras intenções (muitos deles, foram eleitos para cargos públicos) eram perigosas às palavras que eles pregavam, a essa altura a tensão aumentou nas ruas, se um branco andasse na rua e vinha um preto em sua direção, em pânico, mudava de calçada. Alguns amigos saíam para passear e diziam:
  _Vamos ali, fazer uns boys.
  Um dia, o Valdevino e o Viana, que sabiam da minha crescente disposição pras brigas, me convidaram pra esse "rolê", disse a eles que declinava do convite, não achava certo, essa coisa de bater em alguém pela diferença da sua cor ou postura social e, como se eles quisessem mais explicações, lembrei-lhes que meu pai era branco, chovia na Rua Paes Leme, saímos, os três abraçados, nunca mais, eles fizeram tal coisa.
  No Palmeiras, uma equipe que se dizia o máximo da produção musical, apresentaria um show do Gilberto Gil, na época ele lançava a música Palco, que tinha um arranjo bem Funk. 
  O que falta, nas pessoas que só pensam em dinheiro, é a visão. A pessoa mais mal informada saberia que, o grosso das pessoas que gostam do Gil, são pessoas desprovidas de racismo e jamais o contrataria pra cantar numa casa de exclusividade racial. 
  Sabendo que iria dar o que falar, cheguei muito cedo, a música ecoava na pista... One Wai, Bráss Construction e tome Funk na moçada, a certa altura, começou a entrar os fãs do Gil, gente de trancinhas, jeans desbotados e chinelões... Na maioria, gente de cor clara.
  E, por não serem afeitos à música ambiente, andaram entre os dançantes, alheios a tudo, tudo aquilo não lhes dizia nada... E, enquanto os blacks dançavam suas coreografias ensaiadas, passaram a se sentar na pista, pra esperar o Gil chegar. 
  Todos acharam estranho, tudo aquilo... tic, tac...podia-se ouvir a bomba relógio no ar, as rodinhas de dança se comprimiam, não havia espaço na pista...tic, tac.
  Indignado, o DJ desligou a música, um breve silencio ameaçador, ele abriu o microfone e passou a reclamar da postura das pessoas que estavam sentadas na pista, disse-lhes que aquele era um lugar sagrado para a prática da dança, o que elas faziam era desrespeitar o ambiente e não se esqueceu de classifica-las de "gente branca”. 
  Ainda que se fizesse um silencio sombrio na plateia, eu ainda ouvia... tic, tac, tic, tac...
  O que o DJ não sabia, é que o Gil já estava em seu camarim, viu a situação e entrou no palco, antes que as palavras do DJ alcançassem seus objetivos, tomou lhe o microfone e disse-nos:
  Vocês estão vendo o que estamos virando? Estamos virando "eles”... depois disso vamos fazer o que?...
E, seguiram-se 10 minutos de inteligência contra a boçalidade das pessoas que discriminam outras pessoas, todos a escutar o Gil em silencio, ao final da aula, seguiu-se um silencio perturbador, havia cessado o tic, tac... As pessoas de cor preta passaram a se sentar na pista e todos aplaudiram, mas não aplaudiram o palestrante, aplaudiam as pessoas.

sábado, 14 de dezembro de 2013

Seu Tinoco


Aprendi, muito cedo, que todo mundo tem histórias pra contar, a pessoa que vive tem História. Sempre fui amante da história da humanidade, qualquer pessoa que andou sobre a terra, contribuiu, ainda que não saiba, pra contar um pouco dela.
Acabei de me lembrar do seu Francisquinho, vô da Cristiane Idalia, que nas tardes ociosas de sábado, me contava das aventuras da juventude dele, envolvido no cangaço, na Bahia. Toda pessoa, que tenha uma idade avançada, tem várias histórias, então eu parava, ouvia e guardava e, por ser apaixonado pela matéria, procurava classifica-lá no espaço-tempo.
Como eu disse antes, o seu Tinoco era mais conhecido pelo mau humor e por ser sovina, já que, as cadernetas de poupanças e o dinheiro da condução era com ele, dono de uma memória de elefante, sabia quanto, todo mundo devia. Tive o prazer de ver o Tinocão encostando o diretor (Domingão) na parede, pra cobrar-lhe o que devia.
Como eu disse, era um contador à moda antiga, de lápis preto e livro caixa, tirando alguns textos que ele ditava, pra constar dos autos, o resto eram histórias e fotos antigas, contava do tempo que a avenida Heitor Antonio Eiras Garcia, nada mais era que, uma trilha de tropeiros e que, foi por essa picada, que chegaram as armas que foram usadas pelo regimento avançado de Pinheiros, vindas do Paraná, na briga contra a ditadura de Vargas.
Dentro de uma escrivaninha, havia um fundo falso, dentro deles centenas de fotos, quando ele contou a história da primeira foto, as outras foram brotando, cada dia uma, as vezes, uma foto dava história pra 3 ou 4 dias, "histórias de um coração que, se fechou"... Ele gostava de contar, meu mundo enriquecia à cada narrativa e, ele era minucioso, nas datas e nas sensações, como se revivesse tudo.
Uma certa manhã, achei uma foto, dessas fotos comuns dos anos 20, a clássica foto de moça com chapéu, decote de babado e broche no peito, a moça era de uma beleza tal, que o retrato se sobressaía no monte, peguei a foto e a coloquei na mesa, ao vê-la, o olhar se perdeu, foi a primeira vez, que eu o vi pesaroso e frágil.
Contou de uma menina, que estudara com ele e um amigo, os 3 fizeram o colégio e o curso técnico, numa Universidade de nome, ele e a moça estavam de casamento marcado e iriam pro Acre, cuidar de seringais, estavam no Boom da borracha. De repente os 2 fugiram, casaram-se e foram pra selva.
No fim da narrativa, seus olhos estavam marejados e eu estava indignado:
_ Pô, seu Tinoco... tá aí uma história que eu não precisava ouvir, deprê.
Fiquei triste, como quem havia descoberto a raiz de tudo. Vendo a minha tristeza, ele tocou a mão no meu ombro e disse:
_ Fica triste não... eu não estou aqui???
_ Sim.
_ E então, tem 50 anos que esses cachorros morreram de tifo, no meio da selva Amazônica e desatou a rir da minha cara.                                                                                                                                                                                                         
_Você achou que eu fosse ranzinza por isso???                                                                                                                                   _ Faço cara feia, pra ninguém me pedir dinheiro. 


Os amigos


Nunca fui de panelinhas, por conta disso, sempre tive muitos amigos, se tem uma coisa que eu aprendi no EDD, foi respeitar as opiniões alheias, posto que, havia lá gente de todas as raças e, gostos diferentes. Não vou dizer que não ganhei inimigos, longe disso, é claro que eu os tinha, mas, eram tão poucos que, dava pra contá-los nos dedos, digo que, por ser muito tolerante, tinha muito mais amigos que inimigos.
E...pulamos pro ano de 1982, eu já estava com 16 e morava no lar 22... todos os maiores foram juntados nesse pavilhão, faltava pouco pra eu ganhar o mundão.
Eu trabalhava na Procuradoria Geral do Estado, tinha a honra de ser office boy da repartição, nesse momento, já estava voltando pra casa. Vestia um macacão jeans azul e uma camisa do Chicago Bulls, sandálias franciscanas sem meias, meu garfo de madrepérolas reluzia no bolso do macacão, de quando em quando, eu o empunhava e ajeitava o black power.
Eu me encontrava na praça das Bandeiras e esperava, na fila, o Jardim Arpoador da Viação Castro, já fazia um tempinho que, ali tinha chegado,mas como não queria viajar de pé, pulei pra fila do lado, estava quase me arrependendo de ter ficado. A cidade estava triste, no dia anterior um tal de Paolo Rossi havia eliminado o Brasil, em Sarriá, alguma pessoas ainda usava a camisa canarinho. Alguém gritou meu nome e pus-me a procurar, avistei-o, vindo dos lados da 9 de Julho, era o Zé Pereira, mais conhecido pela alcunha de Zangão (pav 17), meu velho amigo de infância, cumprimentamo-nos e ele ficou ao meu lado na fila, as pessoas que estavam atrás de mim, ameaçaram reclamar, ele deu uma encarada nas pessoas e elas se conformaram, eu sabia que ele não iria seguir no ônibus, só parou ali pra falar comigo, tinha um tempinho que ele saíra do colégio, por conta própria. Perguntei onde afinal ele estava morando - num quarto, na Baixada do Glicério - respondeu ele. Então passamos a falar de bailes, de jogos e meninas.Reparei que, enquanto ele conversava comigo, ficava olhando as pessoas que transitavam, principalmente as mulheres, as de mais idade, pra ser mais claro. E não adiantava, sempre o assunto voltava pro futebol, já falávamos do Paolo Rossi quando, de repente ele falou: - Péra aí, que eu já volto. Velocista, que era iniciou uma arrancada e, impulsionado por seu Reebok de sola aérea, correu muito rápido, em direção á rua Falcão e num bote rápido, subtraiu a corrente do pescoço da senhora que subia a passarela de madeira, segundos depois, a senhora já refeita do susto, passou a gritar, as pessoas nas filas dos ônibus que faziam os itinerários deSanto Amaro passaram a gritar:_Pega ladrão.O Zé já vinha em minha direção, com a mão direita aberta, estiquei a minha, na passagem ele bateu, longe ele gritou: - Até... e se foi, rumo à Avenida 9 de Julho, pouco depois passou um bando de gente - Pega ladrão.
Só pra conferir a opinião do povo, olhei pra trás, pra ver as pessoas, no que eu olhei, todo mundo baixou a cabeça, tirei o garfo do bolso e ajeitei o black... e, nada do buzão da Castro. Algumas das pessoas que correram atrás do meu amigo voltaram com caras de decepção.
Subitamente, uma mulher gritou o meu nome, levantei os calcanhares, pra poder ver além das pessoas da fila, vinha, lá da avenida 23 de Maio, uma mulata muito bonita, roupas apertadas, num corpo muito bem torneado, acompanhada de um perfume de jasmim, nessa altura, não houve ninguém que estivesse na praça, que não a tinha visto. Muito confuso, esperei que ela tomasse fôlego, pra eu descobrir como diabos ela me conhecia.
A mulher pousou as mãos nos meus ombros, frente à frente, aproximou seu rosto do meu e perguntou:
- Não se lembra de mim??
- Juro que não... respondi sem jeito.
- Eu sou o Sebastião, bobinho.
- É... o que, minha senhora??? Já tirando as mãos dos ombros e me afastando.
- O Sebastião do pavilhão 14, sou eu.
E passou a contar suas aventuras, shows na avenida Rio Branco, viagens pra Itália, Espanha, disse que morava numa Kit, no Edifício Copan, mas, lembrando o passado, falou de seus tempos de goleiro... Nesse momento o ônibus encostou, despedi-me e segui a fila, subi no ônibus, quando me sentei, pensei comigo: 
- Que mundo louco, os caminhos que as pessoas seguem...
Foi a última vez que vi os dois amigos. 

A segunda turma




Olhando aquela foto da inauguração das turmas do aprendizado, quase sempre, me sinto frustrado.
Nela, se pode ver o César do 24, o Lindolfo do 22, o Avelino do 13, o Xodó e o Ratinho do 21 e o André do 20, todos eles, menores que eu em estatura, porém, com 14 anos completados.
Quando o SENAI foi inaugurado no Educandário Dom Duarte , eu não tinha idade suficiente, fiquei só na vontade, todos os meus amigos, que faziam o curso de ajustagem, desenho e tornearia contavam, no pavilhão e na escola, todos os pormenores, os mínimos detalhes do curso e, que deu vontade de fazê-lo.
Bom, no ano de estreia, pra aprovar toda a turma, toda ela constituída de internos, o SENAI teve que abrir mão da qualidade e, então saiu àquela bela foto, com todo mundo no páteo, sem mim, mas, uma beleza mesmo assim.
No primeiro dia de aula, o coordenador disse que pra concluir o curso haveria exigências maiores, pelas fichas de avaliações que foram apresentadas, poucos alunos seriam aprovados, sabe quando você sente que entrou no ônibus errado, mas acha que tem que ir até o ponto final?
Foi essa a sensação que eu tive, o professor Gregoruti, veio e comprovou as mesmas palavras... Aquele professor legal, que meus amigos haviam decantado, tinha dado lugar a um monstro.
Particularmente, eu gostava do mestre, ele era reacionário e eu sonhava com o comunismo, consequência... bate-boca, todo dia e ,à toda hora...em certo tempo, paramos e ficamos amigos.
E, dessa relação, restou uma amizade eterna, nunca gostei de matemática e, por desaforo, enfrentei a sala de aula.
Os primeiros seis meses foram só cálculos, percentagens, aproximações e todos esses blá, blá, blás que me aborrecem até hoje, fiz das tripas coração, vendo que eu parecia um peixe fora d'água, o professor ria e convidava a me retirar voluntariamente e, ainda que parecesse o melhor a fazer eu ia me deixando ficar, acabei me divertindo com tudo aquilo, jamais imaginei que pudesse chegar até o fim do curso.
Quando se falou que a coisa ia ficar difícil, ninguém podia imaginar nada pior... Começamos em Janeiro, o curso de Ajustagem Mecânica com 32 alunos, na volta das férias escolares essa turma ficou reduzida à um aluno, esse seu criado aqui.
Lembro-me de um dirigente da instituição, vindo pessoalmente cumprimentar o professor pela competência, quando me viu, perguntou:
_Então, esse é o melhor da turma?
_Não, esse é o mais teimoso.
Bom, não vou dizer que tenha sido o melhor dos elogios que já tenha recebido, mas cruzei os braços e fiz uma pose de super star.
No dia da formatura, não houve a entrega pro único formando da Ajustagem, o mestre me levou pro Bexiga e comemos a melhor pizza do mundo.

A festa da Liga

A festa da Liga.
  Era um evento, que acontecia sempre na última semana de cada ano e servia pra unir, em comemoração os 2 colégios administrados pela Liga das Senhoras Católicas, faziam-se apresentações de coral, teatro e a fanfarra e encerrava-se sempre com o "bode". um saco tamanho família, que continha doces e brinquedos.Servia também, como rito de passagem para os meninos da Casa de Infância do Menino Jesus, que passavam a conhecer de perto, onde iriam passar a viver.
 Como eu, todos os meninos, que vinham da C.I.M.J tinham dificuldades em encarar a nova realidade, pois eles vinham de um colégio administrado por freiras, por consequência, acabavam sendo as vítimas prediletas no Bullings, onde impera a lei do mais forte, o que vacila é perdedor.
  O que explica o fato de esses meninos ficarem sempre juntos.
 Sempre foi assim, mas na festa de 1976, a coisa piorou de vez e, logo na minha vez.
  Havia na Casa da Infância, um freira espanhola, de nome Lourdes que, empolgada com os musicais progressistas da Broadway, resolveu que naquele ano, os meninos iam apresentar uma peça, ao invés do habitual coral de sempre.
 Ah, ainda me lembro dos ensaios, o negócio seria...tipo HAIR, tudo colorido, musicado e tudo mais.
  Faltando poucas semanas para a apresentação, a madre Dolores nos apresentou a vestimenta da peça...meias calça com brilhantes.
  Sartei de banda.Se tem uma coisa que um guri não precisa, quando está pra entrar no inferno é, por em dúvidas a sua sexualidade, foi por conta disso, que eu disse, pra santa madre Lourdes que, por dinheiro nenhum no mundo, eu ia entrar num palco, vestido em meias calças.
  Na sua inocência, a freira achou que nos ajudava,
  Eu estava nas cadeiras, do teatro, quando meus amigos passaram, em direção ao palco, fiquei com tanta vergonha quanto eles, a peça foi uma vaia só, do início ao fim.
Em Fevereiro de 1977, a Kombi do seu Paulo deixou eu, o meu irmão Nilson Victorino, o Sebastião, o Helio, os irmãos Adalberto e Gilberto Camargo e o Luis Sergio, em frente ao pavilhão 14, enquanto estávamos na fila da rouparia, os meninos, já se perguntavam, quais de nós, haviam dançado na Festa da Liga.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

O encantador de cães

O Adalberto era um amigo que eu conhecia da Casa de Infância, conhecia ele desde os cinco anos, nos domingos de visita, a mãe dele e do Gilberto, levava sempre lanches a mais, pra mim e pro meu irmão, esse habito continuou no E.D.D, portanto, eu nunca reclamei da falta de visita.
  Quando chegamos ao lar 14, pra conseguir respeito, briguei com um dos internos, mas a vida é irônica e, esse desafeto, acabou sendo o meu melhor amigo. No começo, chamavam-no de Maninho  pequeno, já que havia o Floriano, que era o maninho grande.Um dia, sem mais nem menos, ele determinou que, daquele momento em diante, seria chamado pelo seu sobrenome e ponto final...ninguém, nem grande e nem pequeno questionou, todo mundo passou a chamá-lo de Viana.
  O Adalberto tinha um problema nas pernas, que o impedia de se locomover com facilidade, ele tinha um atestado, o que fazia dele, um, dos únicos dois, dos 45, que não jogavam futebol no 14, o outro era o Sebastião (esse, não era por motivo físico e sim por opção sexual).
  Eu e o Viana, às vezes com mais amigos, às vezes com menos amigos, mas sempre nós dois, vivíamos as mais loucas aventuras que dois guris podem viver. Sempre que roubávamos as frutas no Bráulio Silva( o pomar) repartíamos com o Adalberto, que quase não saía das imediações do pavilhão, um dia, só de brincadeira, o Viana sugeriu que devíamos levar o Adalberto conosco um dia, ele imaginou que o outro fosse recusar, por saber da sua condição, no momento que a ideia surgiu, os olhos do Adalberto se ascenderam e, por mais argumentos que jogamos, pra impossibilitar a aventura, nada demoveu a vontade do nosso amigo, se o Viana, que era um guri duro na queda aceitou, imagine eu...o problema é, que se alguma coisa acontecesse com o Adalberto, nossa alma iria arder no inferno.Depois que o Adalberto saiu, combinamos que ele só iria até a cerca e esperaria a gente recolher as frutas e, isso já seria uma aventura e tanto.No dia seguinte, mais ou menos, às 9:00 horas da manhã, estávamos eu, meu velho amigo e meu novo amigo, indo roubar frutas, descemos o caminho da olaria, rumo ao lago, que beirava a mata, que ficava atrás do pomar(toda essa extensão de terra hoje é o CDHU Educandário), enquanto avançávamos, o cansaço do amigo era evidente, o brilho nos olhos aumentava e o Viana ria.
  Chegamos à cerca de arame farpado, que limitava o terreno do pomar, subi numa arvore, tinha que saber se a barra estava limpa (isso se chamava "manjar cana") lá, de cima ouvi latidos de cachorros, normal... o vigia possuía dois pastores alemães, que serviam para manter longe os invasores, o lado das mexiricas estava limpo, desci e o Viana já havia entrado, segurava o arame pra eu entrar, fiz sinal pro Adalberto ficar ali mesmo, tirei a camisa de gola rolê, dei nós nos braços e no pescoço, o Viana fez o mesmo, o Adalberto jogou a dele pra mim, coração acelerado...avançamos.Começamos a colher as frutas, enchemos as três camisas, joguei a minha nas costas, o Viana jogou a dele e pegamos a terceira, cada um de um lado e fomos pro lado da cerca, onde o Adalberto estava, quando faltavam uns vinte metros ouvimos os latidos dos cachorros, eles corriam em nossa direção, largamos a camisa do meio, e corremos, cada um com uma.
  Não me lembro, como foi que passamos pela cerca, carregando o peso, só sei que corremos muito, na parte de descida, tropecei num galho de arvore e cai, o Viana parou e riu de mim, de repente os risos dele viraram pânico.
  _Cadê o Adalberto?
  Gelei, só de pensar, foi então que percebemos que os cachorros não latiam mais... silencio total, dava pra ouvir os grilos da mata, apanhei um pedaço de pau e corremos de volta, perto do ponto da cerca, ouvimos a voz do Adalberto, parecia que cantava, apressamos o passo, demos com a cena inacreditável.
  O Adalberto estava sentado, os dois cães, deitados, cada um de um lado, enquanto cantava pra eles, os acariciava, ao perceber que nos aproximávamos, os dois rosnaram, o Adalberto fez shhhhhh e eles se acalmaram, ele fez sinal para que voltássemos e pegássemos a camisa que deixamos cair, obedecemos, quando voltamos ele fez sinal para que fossemos na frente e esperássemos por ele.
  Coisa de uns 10 minutos ele nos encontrou, não falamos nada no caminho de volta, já era quase noite, na manhã seguinte, o Viana contou pra todo mundo, avisou pra todo mundo que não mexessem com o amigo, pois ele era feiticeiro. No domingo de visitas a família do Adalberto cresceu, a mãe dele teve que trazer a parte que cabia ao Viana também.

  Pouco tempo depois ele foi desinternado, sentimos falta do amigo, fomos roubar frutas uma centena de vezes mais, em todas elas, tivemos que correr dos cachorros.

Turquinho


Uma das figuras mais divertidas, entre os funcionários do EDD, era o baixinho que atendia pela alcunha de Turquinho, mas se perguntasse o nome verdadeiro, ele respondia, sem pestanejar :
_Emílio Xavier das Mulheres.
No tempo da olaria, quando estávamos recolhendo os tijolos, recem saídos da maquina, dava pra vê-lo, num plano mais alto, jogando terra na esteira, seu serviço era abastecer a máquina, o nosso era recolher e levar pra secar o produto.
Sua figura desafiava o tempo, apesar de estarmos no fim dos anos 70, ele trajava roupas dos anos 50, media pouco mais que 1 metro e meio, tinha óculos fundo de garrafas, que faziam seus olhos estatelarem, camisa social quadriculada e calças com pregas e como o oficio exigia, ele dispensava os sapatos de bico fino, pra usar uma botina meia sola...de quando em quando parava o exercício e lentamente enfiava a mão no bolso traseiro da calça cinza, pegava o lenço, daqueles com bordado especial, tirava o chapéu de feltro e enxugava a cabeça calva, passava o mesmo lenço nos olhos e o guardava, num gesto automático, enfiava a mão no bolso da frente e retirava um gordo relógio de mão, dava 2 toque, com as pontas das unhas e tornava a guardá-lo.
Nessa hora, todo mundo sabia que faltavam alguns minutos pro intervalo ou pro almoço.
Quando era o caso de intervalo, eu e o Lucídio, pegávamos o lanche e subíamos pra ficar com ele, lá em cima.Corinthiano do tempo do Centenário, costumava falar a escalação de 54, do goleiro ao ponta esquerda, os reservas e a comissão técnica...tudo que um fanático torcedor de arquibancadas, guarda na memória, inclusive as lendas.
Muitos anos depois, eu e meu amigo Viana, já nos tempos de bailes, costumávamos vê-lo, numa casa de má reputação da Fradique Coutinho, quando nos via, ele soltava o bordão que o fez popular:
_Mas, é MENOR.

Memória musical

Eu não sei quem era o responsável pelo serviço de auto-falantes do teatro do EDD, religiosamente, aos sábados e domingos, jogava no ar, uma seleção de musicas.
Essas músicas eram ouvidas em todos os cantos, por sorte eu morava no lar 14, o vizinho mais próximo, muitas dessas músicas me levam à um tempo de alegrias, várias vezes eu estava sozinho, em cima de uma arvore ou de bobeira, debaixo delas.
Em muitas ocasiões, depois do filme, ficávamos ali, no barranco da piscina, no coreto do campão, no lago do bambual, no muro do aprendizado ou na estrada do 15, ouvindo as músicas ou cantando junto.Nesses fins de semanas não importava o pavilhão, todos se reuniam, ouviam um pouco do som e saiam pras aventuras.
Dai partiu o meu gosto musical. — com Stella Cristyna.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

O Luis Paulo


  Esse era muito popular entre os internos, pelo fato de ter sido um interno e ser muito jovem.
  Negro, d'um negrume que reluzia, num tempo de forte racismo, era a pessoa que contava as melhores piadas de negros.
  Sua função, no colégio era a de emergente, ele substituía o larista em sua folga e nas férias, mas acabava que fazia outras funções, uma delas era a de motorista da Combi.
  Seu porte, esguio e muito magro, rendeu-lhe o apelido de formigão, falava alto e tinha um sorriso contagiante, conseguia ser popular entre os internos, sem cair em desagrado com a diretoria.Quando a diretoria dos "irmãos" foi embora, ele assumir a função, que antes cabia ao irmão Augusto, passou a buscar a comida, no Mercadão Municipal e levando as pessoas pra Liga...e, ele sempre dizia, em tom de piada:_Pra pegar os pés de frango, eu levo os meninos do 14, pavilhão de pretos, pra ir pra festas da Liga, eu levo os branquinhos do 22.
  E, piadas à parte, a divisão de menores nos pavilhões, seguia mesmo essa regra.Com a nova diretoria, o Luis Paulo ganhou o status de intocável, passou a ser o motorista da própria diretora, a dona Camila.Como eu disse, ele era muito querido, em qualquer rodinha que chegava, era bem recebido, até técnico da seleção mirim, ele se tornou.
  Um dia, quando terminávamos o treino de futebol no campão ele me disse que fosse logo pra "casa" e me trocasse rápido, pois iríamos sair num rolê louco, fui correndo pro 14, que nessa época não tinha laristas, o Odilon havia sido demitido e a fama dos meninos do lar 14, dava medos nos pretendentes ao cargo, a responsabilidade ficou nas mãos do Luis Antonio, o mais velho de todos, que tratava à todos como se fosse um irmão mais velho, o pavilhão, nessa época era o paraíso na terra.
  Quando eu estava, de frente do espelho da área, ajeitando o black, ouvi a buzina, olhei pra estrada que levava ao cenáculo e havia uma Mercedes Bens estacionada, o sol das onze horas batia e reluzia no verde metálico do carro importado, o motorista saiu, pra mostrar a roupa, trajava um agasalho completo, verde com duas listras brancas nas laterais e um tênis Nike branco, só professores de educação física os usavam em 1979, uma grande corrente de ouro no pescoço, completava a estica...é, o negão estava em punga mesmo.
  E, fomos ao rolê, dois negrões num carro importado, ao som de Joe Egan e Isley Brothers...sensacional.
  A missão era simples, ir até a outra escola, onde a dona Camila também era diretora, que ficava no Quilômetro 35 da Raposo Tavares, consertar o pé da mesa do altar da igreja e pendurar uns quadros da santa ceia, nas paredes laterais, quando chegamos nas proximidades do colégio, ele me deu o volante e, no banco do passageiro, passou instruções para eu conduzir e estacionar o carro, apesar de ser grande, eu tinha 13 anos.Faltavam uns cinco quarteirões pra chegar ao nosso destino, quando uma viatura preta e vermelha nos abordou, descemos do carro e notamos que os policiais estavam mais nervosos que o normal, abordaram- nos de longe, no que eu abri a porta, o policial que havia se posicionado ao lado, engatilhou a arma e tremia, o cara que estava na porta do Luis Paulo fez pior, quando ele abriu a porta, o policial caiu pra tras e se protegeu, de joelhos, a arma sempre na nossa direção, o terceiro policial se posicionou na nossa frente e portava uma sub-metralhadora, já destravada, o motorista já estava fora da Veraneio e com um pé fora do carro e outro dentro, tinha nas mãos uma escopeta.Eu tinha medo de levantar as mãos, qualquer movimento em falso, seria o nosso fim, barulhos de sirene, mais duas viaturas chegaram, em 3 segundos estávamos cercados por todos os lados, gritaram para que colocássemos as mãos na nuca, todas as armas acompanharam os movimentos, mandaram que nos deitássemos, reparei que apesar de estarem ameaçando os dois, todos davam mais atenção para o Luis Paulo, todos os olhos estavam voltados para ele.
  _Conhece o doutor Toledo? -perguntou o tenente.
  _Conheço, eu trabalho pra filha dele.
  Esse policial saiu, foi fazer uma ligação e levou a carteira do Luis Paulo, os outros ficaram nas mesmas posições, alertas...os dedos coçando, eu soava frio e mentalmente rogava:_Valha-me São Jorge.
  Por incrível que pareça, essa não foi uma cena de racismo...dois pretos num carro importado e coisa e tal, não foi isso, apesar de, nesse tempo a corporação ser totalmente constituída de policiais racistas, afinal era 1979, "pouco preto na TV" e tudo mais.O que aconteceu de fato foi:Nessa época, o cara mais procurado pela polícia era um tal de Chêpa, assaltante de bancos famoso, que fugia da polícia na base do tiro e já virava herói do povo...pra nosso azar, o Luis Paulo(aos olhos dos policiais) era a imagem do bandidão.
  Depois que o tenente voltou com o esclarecimento, mandou que os caras nos liberassem, fixei os olhos no único cara que tinha ficado calmo, o motorista, ele media uns 2 metros e portava uma medalha de São Jorge, lentamente desengatilhou a escopeta e se encaminhou na nossa direção e disse rindo:
  _Menino, você é a cara do meu filho.E, foi-se sorrindo.Isso me desconcertou, fiquei quieto, mas pensei:_Que coisa louca, uns instante atras, um cara ia fuzilar um cara que é a cara do filho dele, Deus me livre, de uma profissão dessas.
  Fomos fazer o serviço da igreja, conversamos calmos e ainda sem acreditar em tudo aquilo, não conseguíamos rir de tudo, o Luis Paulo disse que foi muito azar.
  _Azar ou sorte, tudo depende do ponto de vista._disse eu.
  _Como assim??_perguntou o meu amigo.
  _Você já se esqueceu que era eu que dirigia, quando fomos abordados??
  Ele tomou um susto e voltou a sorrir, terminamos o serviço e saímos, íamos abastecer o combustível do carro, e, por si só, isso já seria uma ótima historia, pra se contar... na altura do Rancho da Pamonha, havia um posto, quando nos aproximávamos do posto de gasolina, ele encostou o carro e trocamos de lugar, disse que era pra gastar mais um pouco da sorte.
  Manobrei e entrei no estacionamento, tudo com perfeição, quando parei o carro, pelo fato da maçaneta da porta de trás estar com defeito, tive que abri-la, pra fazer uma piada de motorista, conforme eu abria a porta, fiz uma mesura, como se abrisse a porta pra rainha da Inglaterra, nesse momento uma mulher muito branca e gorda saía da loja de conveniências, portava  uns sacos de compras, ao ver o Luis Paulo sair do carro, em seu agasalho reluzente, estatelou os olhos e ficou sem fala, de tanto espanto.
  Ai meu São Jorge, ia começar tudo de novo, quase que o Luis Paulo volta pro carro, dessa vez iríamos correr muito.A senhora se recuperou e gritou bem alto:
  _JOÃO DO PULO?!!.e caminhou em nossa direção, o Luis Paulo, tomado de susto, não falou nada, ela o abraçou e beijou-lhe nas faces, antes que o Luis Paulo tivesse chance de se recompor e por tudo a perder, puxei-o dos braços da senhora e disse:_Minha senhora, deixe o João em paz.O Luis Paulo entendeu a situação, sorriu e fez um gesto de calma pra mim, eu soltei a senhora, que agora agarrava ele, nessa altura, outras mulheres e homens saiam da loja, os frentistas se juntaram à pequena multidão.Todos pediam autógrafos, o dono do restaurante pediu que entrássemos no seu estabelecimento, por conta da casa, na hora da sobremesa, ele pediu que um funcionário tirasse fotos dele ao lado do João do pulo.
  A vida é assim mesmo...pela manhã você é confundido com um bandidão, à tarde você vira herói.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Ciclo quebrado.

  Tenho vários vídeos no Youtube, que tem o EDD, como tema, pras pessoas lembrarem de um lugar que foi importante nas vidas delas, vira e mexe, alguém posta um comentário, pessoas que dizem que foram felizes e que, nunca esqueceram das coisas de sua infância, adolescência e juventude, isso faz bem pra alma.Mas, por lá, já apareceram  comentários de alguns ex-internos que detonaram o colégio, dizem que sofreram muito, chamaram-no de inferno.Um dos depoentes o compararam ao Vietnam, que fugiu, pois as ruas eram melhores que lá.
  Eu não sou defensor do Educandário, longe disso, não sou hipócrita, pra dizer, que não havia violência, não tinha laristas analfabetos e armados, não havia a tal da lei do mais forte...não havia coisa pior no mundo do que ser chamado de "novão".Tive inúmeras chances de fugir, de fato, era a coisa mais fácil do mundo, pra sair do colégio não se fazia necessário ser genial, corajoso mesmo, era ficar e enfrentar, no meu caso, não era coragem que me mantinha em casa, eu não tinha pra onde ir mesmo.
  Alguns daqueles meninos eu conhecia desde os 4 anos de idade, se por um lado, eu tinha perdido a minha família, por outro, eu tinha ganhado muitos irmãos, portanto eu nunca reclamei de nada, na verdade eu nunca tive o dom pra vítima, se alguém me fez mal, recebeu em dobro...metade do que eu sei hoje, eu aprendi no EDD, a outra metade foi o mundão e quem me deu armas pro mundão foi o EDD.
  Numa tarde, enquanto eu, o Viana, o Spock e o Tequinha, bolávamos um plano pra pegar uns caras mais velhos numa armadilha, filosofamos sobre isso tudo.. porque os mais velhos tem que judiar dos mais novos, e foi o Viana, quem falou:
  _Isso é tradição, daqui a pouco nós seremos os velhos e vamos judiar dos novos é assim que o mundo funciona.
  Anos mais tarde, nós eramos os mais velhos, alguma coisa deu errado naquele papo de tradição, eu nunca bati em pivete nenhum, nem vi nenhum dos caras do meu tempo fazê-lo.
  No fim do anos de 1981, eu já tinha 15 anos, trabalhava na Procuradoria Geral do Estado, o natal estava próximo, nessa época o colégio ficava quase vazio, todos os menores iam pra suas casas, só ficavam os sem família mesmo, estava certo que eu, o Viana e o Japonês passaríamos a ceia de natal no Grupo Sergio, regados a muita pizza e cerveja, tínhamos juntado dinheiro pra isso.Conversávamos no lado de fora do pavilhão 22, enquanto isso o Japonês aparava nossos cabelos, uns meninos passaram na estrada, corriam atrás de um pipa e faziam muito barulho, olhamos os meninos e rimos.
  O Viana nos lembrou, de como era triste pra nós, naquela época do ano, ficamos tristes, como o Viana não vinha da Casa de Infância, contei pra ele do que acontecia lá, em épocas de natal:
  Haviam uns jovens, que a invés ficar em casa, passavam o dia inteiro com os meninos sem família, brincavam faziam jogos, depois um deles se vestia de Papai Noel e dava os presentes de natal.
  Enquanto eu contava essa historia, que o Japonês já conhecia, a ideia nasceu na cabeça dos 3, no dia seguinte, descobrimos que no pavilhão 13 tinha 12 meninos sem família, prometemos pro larista Rosembérg, que ele podia ir ver a família no Rio de Janeiro, nós não íamos deixar o pavilhão pegar fogo.
  A roupa de Papai Noel ficou bem no Japonês, já que ele era o único branco do trio.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Bruce Leroy

No final dos anos 70, comecinho dos 80, não havia epidemia que superasse o tal do Kung fu, esses filmes, geralmente de pouca qualidade técnica, eram produzidos aos milhares e entupiam os cinemas da cidade, assim como as academias, tinha uma dessas, a cada 50 metros do centro de São Paulo. 
Aos milhares, os jovens se inscreviam nessas academias (que eles chamavam de templos) e seguiam rituais e doutrinas do ensinamento Shaolin, coisa de maluco mesmo. 
O Educandário estava contaminado, havia um punhado desses doidos, circulando por lá, com suas sapatilhas e seus quimonos coloridos.
Para seguir a tendência vigente, no cinema do Educandário, passou a ser exibido esse tipo de filme, em lugar das habituais fitas do Macister, os Bang Bangs e o brasileiríssimo Mazzaropi. 
Ao fim de cada sessão, os internos saiam imitando os atores e antes de chegarem a seus pavilhões já estavam trocando tapas, mas, pra dizer a verdade, eles não faziam mal pra ninguém e, a paisagem ficava até mais divertida, entre os meus amigos da época, eu posso destacar dois, o Tadeu neguinho do 11 e o Avelino do 13, esses eram dos mais fanáticos, trajavam-se e falavam feito os gafanhotos chineses, logo de manhã, os víamos, em seus exercícios matinais.
Por esse tempo, também nascia outro movimento, esse não era estimulados pela mídia, pelo contrário, esse foi um movimento à margem das conveniências sociais e visava consagrar os jovens da periferia, seus adeptos iam pros bailes e shows de cantores e bandas negras, era chamado de Black Power, mas ficou mais conhecida mesmo, como "função”. Se a primeira tribo pregava a não violência, a segunda não abria mão dela pra se posicionar. 
Eu fazia parte do segundo grupo, mas nem por isso, deixava de ser amigo dos maluquinhos do Kung Fú, saíamos pras baladas, todos os fins de semana e em bailes de São Paulo toda.
Nossa gang era constituída de internos do E.D. D, internos da FEBEM da Raposo Tavares, moradores do Arpoador, do Jardim Peri Peri e uns caras de Pinheiros, somávamos uns 50 integrantes, não havia um líder, propriamente dito, mas, a única pessoa que tinha atitude para sê-lo, seria o Viana do 14 esse tinha "sangue no olho". 
E, ainda que a palavra gang, nos leve a uma ideia de crime, eu e muitos dos integrantes, só estávamos ali, pela dança, a música, as minas e as cervejas... Não, necessariamente, nessa mesma ordem.
Em algumas ocasiões, o Viana esteve prestes a acertar a orelha do Avelino, ele tinha sede, pra saber a eficácia das artes marciais diante da pegada firme do boxe, várias vezes eu cheguei em cima da hora e separei os dois, desde criança, eu era a única pessoa que ele ouvia, mas ele havia prometido que ia à forra.
Numa ocasião, quando chegávamos à sede do Jd Arpoador, onde havia uns bailes nos sábados à noite, fomos avisados que um grupo tinha encurralando um sujeito no banheiro e ele era interno, pagamos o ingresso e fomos lá, socorrê-lo. 
Lá, encontramos um pessoal do João XXIII, tentando arrombar o banheiro, dentro do banheiro estava o Avelino, o gafanhoto, que se vestia num traje completo de monge chinês, havia tentado cantar a menina de um deles, quando percebeu a nossa presença, o infeliz abriu a porta do banheiro, levou um soco, nós reagimos à altura e virou briga de gangs, pancadas, cadeiradas, uma faca, socos... No meio da briga, alguém que estava do nosso lado sacou do 38 e atirou pra cima, os caras do João XXIII correram.
Agradeceu-nos, o Avelino e dissemos não ser nada de mais, nosso código de conduta era bem claro: “jamais deixar um irmão do Educa na mão, isso nunca foi desrespeitado”.
Na volta eu estava no meio dos dois, voltávamos pro pavilhão 22, acima do Cemitério Israelita, uma lua nova quase vermelha dava o ar de sua graça e dava pra ouvir os nossos passos no chão de pedra da Rua Osvaldão, o Avelino quebrou o silencio:
_Obrigado mesmo, vocês salvaram a minha vida.
_Não foi nada, você sabe! Disse eu e citei o código sagrado dos internos:
_ Brigou com um, brigou com todos.
O Viana não aguentou e reclamou: 
_Pra que toda essa baboseira de artes marciais, se na hora do vamos ver, o cara sai correndo pro banheiro.
O Avelino, ainda massageando os hematomas protestou: 
_Na hora do vamos ver, quem estava me batendo era você.
O Viana tranquilamente olhou pra lua e disse: 
_Bati em uns sete caras... Seis pra me defender... E em você, eu bati pelo prazer mesmo, só pra provar que o Boxe é superior. 
Dias depois, o Avelino lançou mão de suas roupas de monge Shaolin e matriculou-se numa academia de boxe. A última noticia que eu tive dele foi essa:
“José Avelino de Palma, jovem de São Paulo defende título amador de boxe, no Chile”.

domingo, 1 de dezembro de 2013

Seu Francisco


Sem sombra de dúvidas, entre todos os funcionários do EDD, o espanhol era um dos mais queridos.Os internos do 12, tinham o privilégio de contar com um amigo.
Era conhecido por criar vários pastores alemães e educar os seus filhos junto com os menores do pavilhão, quem não há de se lembrar da linda Esperança e o Pablo(filhos dele), sempre lado a lado, com eles.
Seu Francisco era um sobrevivente da guerra civil Espanhola, lutava no exercito de resistência, contra os exércitos de Franco.Quando já era eminente a derrota do seu pelotão e sabendo que os sobreviventes seriam fuzilados, ele desferiu um golpe de sua baioneta, em sua perna esquerda e cobriu o corpo com folhas de uma enorme arvore, quando os fascistas, revistaram o campo de batalha, acharam-no caído em uma enorme poça de sangue e julgaram que suas chance de sobreviver eram muito poucas, não o fuzilaram, deixaram-no, para morrer sozinho.Durante 2 dias inteiros, ele ficou naquela floresta, finalmente as forças de paz da ONU passaram, procurando os sobreviventes, nesse tempo, ele já havia se livrado das roupas de soldado, por conta disso, levaram-no para um campo de concentração, muito ferido e com o receio de ser reconhecido, adotou a tática do silencio, não disse uma palavra sequer.
Na força de paz da ONU, haviam vários enfermeiros brasileiros, quando um deles o atendeu, o enfermo estendeu a mão e segurou o brasão do Brasil, em seu ombro, tal atitude, fez com que todos acreditassem que se tratava de um brasileiro.
Seu ferimento impedia que ele se locomovesse, o que ele fazia, apoiado em uma bengala.
Toda as vezes que jogávamos contra o 12, esforçávamos para ganhar, caso contrário a punição seria enxada...pra eles, perdendo ou ganhando, tinha churrasco, em dia de futebol.

Como nasce uma lenda (A LOURA DO BANHEIRO)


Fui pesquisar sobre a loira do banheiro, encontrei cada palhaçada, de diversos cantos do Brasil, apareceram até, relatos da Argentina e do Chile...tudo balela, como diria mano Brown:_Forrest Gamp é mato, vou contar a verdade, então.
Como eu disse em outra postagem, a Casa da Infância do Menino Jesus, era o outro colégio que a Liga das Senhoras Católicas administrava, era um orfanato, onde as crianças eram educadas até atingirem a quarta série do primário, então alguns retornavam às suas família e os que não tinham família, eram transferidos para o EDD.
Esse orfanato era gerenciado por freiras, que administrava a educação dessas crianças, com o apoio de monitoras(moças) que cuidavam, de fato dos meninos.
Dentre as moças, havia uma, que se chamava Ivone, que era prima da madre Márcia, por serem originárias do Rio Grande do Sul, tinham os olhos, dum azul muito forte, era muito difícil alguém ficar de frente pra moça e não ser hipnotizado por seus lindos olhos.Ela trabalhava em São Paulo e, de 2 em 2 meses, ia visitar sua família, no interior do Rio Grande, lá, ela tinha um noivo.Em 1976,nas férias de meio de ano, tom
ado de um ciúme doentio, o noivo a matou e arrancou-lhe os olhos.
Na época, a revista O Cruzeiro, publicou a foto do velório sem retoque, com flores e algodão nos olhos, repercutiu no Brasil todo, o cronista, avido de sensacionalismo a comparou a uma espécie de santa, já que ela trabalhava num orfanato e era prima de uma freira.
O fato de estarmos acostumados a vê-la, na hora do recreio, em frente ao banheiro do páteo, para que não fizéssemos bagunça, alguns meninos começaram a dizer que, haviam visto ela, de frente da porta do banheiro, já dava medo, ir ao banheiro sem a companhia de um adulto.
No ano seguinte, fomos transferido pro EDD, no primeiro mês de aula, na hora do recreio o Alaor(19), sai correndo pro páteo, com as calças ainda arriadas, gritando que tinha visto a loura do algodão.Foi muito pouco tempo, pra ela aparecer em todos os banheiros, de todas as escolas do Brasil.