sexta-feira, 25 de abril de 2014

O José Almir

  Tem uns amigos que você vai lembrar pro resto da vida, alguns, você se lembra do começo de tudo, quando ainda, nem tinha o que lembrar, o amigo já estava lá, tem aqueles amigos que você simpatizou à primeira vista, e, tem aquelas amizades que começaram com a antipatia gratuita, depois de muita brigas, veio a paz e, aos poucos... a amizade.
  O Zé Almir foi esse última opção, ele era uns 2 anos mais velho que eu, tenho lembranças da gente brigando e da gente correndo juntos, pra não apanhar, na saída do Morumbi.
  Nas muitas aventuras no E.D.D, as turmas dos pavilhões se juntavam, nós, do 14, juntávamos aos caras do 12 e saíamos no rolê, o Zé era do 12, ele era feito eu, sempre relegado ao papel secundário.
  O Zé, era o melhor amigo do Valdevino, e eu, era unha e carne com o Viana, nós 4 colecionávamos gibis...O Valdevino tinha um baú, com centenas de revistas do Téx e mais centenas do Fantasma, o Viana era proprietário de uns 200 exemplares dos Vingadores, entre os Marvel do Zé Almir, haviam uns raros, entre eles, a primeira aparição do Falcão Negro e a minha coleção do Homem Aranha chegava à uns 300.
  Todos eramos fanáticos pelos mineiros do Clube da Esquina e quando nos juntávamos a outros meninos, editávamos a nossa versão do futebol profissional, saíamos pela área do E.D.D e desafiávamos outros times, quem vencesse, levava umas garrafas de Tubaína.
  Por essa época, o capitão Pazzeli montou uma equipe poliesportiva, que alem de jogar o futsal, também praticava o Handebol, o Basquete e as provas olímpicas, tudo isso com apenas 12 atletas, isso fez, com que nós não desapartássemos por nada, ou quase nada.
  Dessa turma, o que primeiro conheceu a glória de se enamorar, foi ele, o Zé...e não foi com qualquer uma, foi a Elzamar, simplesmente a mais bonita da escola.
  10, entre 10 alunos do grupo escolar suspiravam por ela, sua pele trigueira, os cabelos de um negro que brilhava, de tanto escuro, os lábios carnudos, os olhos d'um castanho irreal e, principalmente o andar suave...muitas vezes, no páteo, aquelas rodinhas de amigos que se formam para falar dos mais variados assuntos eram desfeitas,pra ela passar, depois vinha o silêncio, ela passava, jogava no ar o odor de jasmim, truta, era como se o mundo parasse, só quando ela já estava longe, as rodinhas se formavam e o alarido continuava.
  É claro que, passamos a olhar o Zé com a má vontade de quem perde um duelo e passamos a fazer piadas sobre o casal, tachamos o romance de "A bela e a fera".
  Coincidentemente, encenávamos uma peça de Shakespeare,( nem sei qual delas) eu, de mocinho, de meia calça e espada, a mocinha em meus braços, o diretor Sergio mandou e eu beijei a Elzamar, muito mais tempo que a cena pedia, depois que gritaram_CORTA, eu a encostei na parede de cenário e a beijei, como se não houvesse amanhã.
  Nessa hora, eu não lembrei do amigo, do compromisso dela e ela continuou a cena, quando nos soltamos, notei, pelo avermelhado de sua face, que tinha feito besteira, não me pesou a consciência, não mesmo...aquele foi o primeiro beijo da minha vida.
  Instantes depois, coisas de 10 minutos, o Zé me barrou na fila do refeitório, muito revoltado, exigia uma explicação, pra tamanha canalhice, eu não queria brigar, disse que exageraram a coisa toda, foi somente duas pessoas interpretando um beijo, só um beijo técnico.
  _Como o amigo pode acreditar que, não lhe tenho a consideração????
 
O capitão Pazelli não era muito alto, era um militar que gostava de mostrar a sua autoridade, gritava o tempo todo, estando certo...ele grita.Estando errado..ele gritava:
  _Democracia???estou cagando e andando pra essa tal de democracia.
  Um dia, pedi um aparte e disse, que se fosse possível, ele parasse de me chamar de Niltinho.
  _Olha aqui, pivete, até a hora que você merecer, vai ser chamado no diminutivo e, aproveitando que você está ousado hoje, cai no chão e paga 50 flexôes.
  E, ainda que fosse assim, tão autoritário e arrogante, era o professor mais querido que já tivemos.Pra falar a verdade, foi nele que eu me inspirei, quando me tornei professor.
  Em 1981, fomos disputar uma Olimpíadas entre algumas escolas estaduais, no município de Ribeirão Pires, como eu disse, nosso plantel era composto dos melhores atletas do E.D.D e mais eu, que só fazia parte da equipe, por ser um excelente auxilar técnico, de quebra, fazia o salto em distancia, corria os 400 metros, pegava no gol no handebol e entrava na quadra pra bater as faltas e os penaltes no futsal(entrava, fazia os gols e voltava pro banco) com 12 anos eu já estava fazendo estágio, na minha profissão futura.
  Quando descemos na escola, o professor declarou que queria bater o recorde do ano anterior, que tinha sido de 19 medalhas.
  No handebol e no Basquete foi tirar doce de criança, no futsal levamos a de ouro, mas foi tão dura a disputa, que a maioria dos atletas mal tinham folego pra disputar as provas individuais.
  No salto em distancia, apareceu um guri que media o dobro da minha altura e, ao invés de espinhas na cara, tinha barba, o pior salto dele foi a minha melhor marca, e isso me rendeu a prata, mas peguei o ouro nos 400.Os meninos, que tinham dado tudo no futsal, sentiam as dores, o Valdevino, que fazia 100 em 10 segundos, levou a medalha de ouro, mas acabou com um estiramento dos nervos, nessa altura, havíamos arrecadado 18 medalhas, parecia que o sonho do capitão havia ido pro brejo.
  Anunciaram no auto-falante, a última prova, 800 metros rasos, num dia feliz, essa prova seria dividida pelo Zé Almir e o Valdevino, seriam duas medalhas certas, enquanto o professor pediu tempo pros organizadores e foi falar em particular com eles e os outros professores, olhei pros nossos atletas, o Valdevino jazia na arquibancada, sem qualquer condição física,  o Zé estava em pé, mas, os 200 metros o havia deixado sem folego nenhum.
  Depois de um tempo, voltou o capitão Pazelli a sorrir, me chamou de canto e disse:
  _O Valdevino está fora, você está substituindo ele.
  _Professor...
  _Você vai ser o coelho, fica emparelhado com todo mundo, na marca dos 400, dispara em velocidade, isso vai forçar todos, você pára e o Zé ganha a corrida.
  _Professor...
  _Isso é uma ordem.
  _Professssor...
  Pôs a mão direita em meu ombro e segredou:
  _O Zé está só o pó da rabiola, você vai ter que, quando disparar, dizer alguma coisa, que faça ela esquecer a dor.
  _Professor...
  _Sua missão...NILTINHO.
  Eu já estava me aquecendo na linha, o Zé chegou na raia dele, se arrastava, mais parecia um corpo sem alma, fiquei pensando o que faria o morto ressuscitar.
  O tiro ecoou, partimos, nos 800 não existe arrancada, nesse instante percebi que todos estavam exaustos, não só o Zé, o ritmo da corrida era muito mais lento que se podia imaginar, avançamos 100, velocidade mínima, 200 e 300, ouvimos o retardatário cair, alguém chegou no seu último esforço e tombou, eramos apenas 7, me preparei pro sprint, os 400 já chegavam, olhei pro lado esquerdo, a careta de dor do Zé, me dizia que ele ia se entregar, a marca se aproximava, chamei o Zé :
  _Zé...a boca dela é muito macia.
  _Que é, moleque ???
  Pisei na marco dos 400, disparei e gritei:
  _A boca da Elzamar, seu trouxa.
  No meio daqueles guris de pernas longas eu acelerava, como se fosse um fundista, nos 600, quando eu ia parar, ouvi a voz do Zé:
  _Filho da puta.Ele não tinha intenção nenhuma de me ultrapassar, acelerei, tinha medo que ele me derrubasse naquela pista cheia de pedrinhas, na velocidade que eu ia, a coisa ia ficar feia.
  700 e o Zé no meu encalço, dava pra ouvir ele bufando nas minhas costas, o pior é que ele gritava palavrões, acelerei mais ainda.
  Ninguém entendeu nada, quando pisei na marca de chegada, continuei a corrida, até o estacionamento e o Zé atras, subi numa arvore, o professor chegou e explicou que era tudo mentira, tudo fazia parte do seu plano, quando desci da arvore, o capitão me levantou e me jogou nos ombros, rumo ao pódio.
  _Vamos lá NILTÃO, buscar nossas medalhas.