segunda-feira, 22 de agosto de 2016

3 anos

Com 3 anos, sem saber que a tempestade já se anunciava.
A vida ia mostrar que somente os mais fortes sobrevivem.
E eu ia mostrar pra vida que a força é só uma ideia, sobrevive quem não tem medo.

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

O plano B


Um dos amigos, ao qual eu tinha mais consideração, era o Zilmo.
Já da Casa da Infância nos dávamos bem e, no Educa nos separamos, ele foi morar no 13 e, quem é do meu tempo vai lembrar dele, pois o nome é bastante incomum, se não lembrar por isso, vão lembrar que ele tinha, vez em quando, ataques epiléticos.
Duravam, esses ataques, coisa de uns poucos minutos e, me lembro que, quando eles acabavam, o amigo se sentia humilhado, além da falta total de controle da situação, chamava a atenção de todos e com isso, sempre vinha o coitadismo por parte de quem não o conhecia.
Fora esse detalhe, o Zilmo era igual a todos os índio do Educa, fazia as mesmas coisas e defendia o gol do pavilhão 13.
Sempre ficávamos conversando de frente do teatro, quando não estávamos perseguindo o lagarto do bambuzal, ou perto do lago da piscina e, como ele era besta feito eu, tínhamos assuntos de sobra e nos chamávamos de "A dupla café com leite".
Fora dos limites territoriais que pertenciam aos pavilhões, sobrava uma grande faixa de terra ao Educandário Dom Duarte, essa área tinha que ser zelada, quer dizer carpida e limpa.
O grupo encarregado dessa limpeza era chamado de "Força Tarefa", nessa empreitada eram chamados os internos, de todos os pavilhões e o comando ficava à cargo do irmão Wilson, que, além de ser o enfermeiro do colégio, era o chefe da banda.
O verdadeiro exército de meninos com enxadas às costas parou em frente ao cenáculo, eram 7 horas da manhã, uma névoa de madrugada ainda podia ser vista na difusão dos raios matinais, no meio de todos os meninos estávamos eu e o Zilmo.
Descemos em fila até o sopé do barranco e marcamos nosso eito, um ao lado do outro, à medida que as enxadas batiam no chão, uma fina poeira subia do capim gordura e impregnava o ar.
O sol já se punha alto, o calor aumentava e o metal da enxada batia num compasso fúnebre, uma batida no chão, uma arrasta na terra e uma fração de silencio e recomeçava tudo de novo.
O suor escorria da minha testa, olhei pro Zilmo e, branco que ele era, estava vermelho e ria.
_Tá rindo do que, moleque?
_É hora do plano B.
_Tá falando do que?
Não disse mais nada, tirou o Kichute dos pés e os pôs de lado, juntou um monte de mato carpido, como quem prepara uma cama.
Puxou a respiração e deu um grito sinistro e caiu ao chão, se contorcendo como se estivesse tendo um ataque, a maioria dos meninos não sabiam como lidar com aquilo, só eu fui socorrê-lo.
Em coisa de poucos segundos, o bola já havia se formado em nossa volta e o irmão Wilson se lamentava por não ter trazido a caixinha de primeiros socorros.
Depois que o Zilmo voltou a conciência, me foi dada a ordem para levá-lo de volta ao seu pavilhão, quando dobramos a estrada do 14 nos ajeitamos e rimos à valer, passamos o resto do dia empinando pipa no barranco do 17.

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

A maior de todas as aventuras.



Em 1977, as rádios AM nos brindavam com um som de Belchior, a poesia do poeta cearense dizia:"Eu quero uma balada nova, falando de brotos e coisas assim" e, se me perguntarem qual a relação dessa canção com o texto que virá a seguir, eu digo nada, foi só para colocar o ídolo numa história.
E, depois dessa grosseria com o leitor, vou ao ponto em questão.
Em outubro desse mesmo ano, vivi a maior aventura que um guri de 11 anos pode viver, fui ao Morumbi assistir à final do campeonato paulista e, essa epopeia, contarei numa página específica, já que aqui, nem todos compartilham da minha paixão pelo time de Parque São Jorge.
Dessa aventura, só vou contar aqui, a parte dos amigos do Educa e, nem todos eles eram corintianos e, assim mesmo, contribuíram com a sua amizade, no final a surpresa.
No pavilhão 14, onde os torcedores do Santos e do São Paulo superavam os torcedores do Timão, o Salvador havia composto uma paródia do hino e, a letra ficava assim:
"Pobre Corinthians"...e terminava: "Andas matando a fiel do coração", santista que era, cantava com gosto, principalmente na presença dos únicos 5 torcedores alvi - negros do pavilhão.
O Macalé era motorista de um caminhão que transportava a produção de tijolos da olaria, faltando dois dias para a final do campeonato, comprou 4 ingressos na Federação Paulista, um para ele, um para o seu Luís, um para o Turquinho e o quarto seria para o barbeiro Castro...o Castro deu para trás e não pagou, o Turquinho pagou e ficou com dois ingressos.
No intervalo do expediente da olaria, me chamou o seu Luís e me disse:
_. Vai lá e dê sorte para o nosso time.
E, nem lhe passou pela cabeça, o fato de eu ter só 11 anos e ser interno.
Diante da atitude do seu Luís, o Turquinho, que era mais velho e estava também na fila há 23 anos, se deu por vencido.
_. Arranja mais dois amigos para dar sorte para o Corinthians.
Do nada, eu estava com 3 ingressos para final no Morumbi e eles me disseram que o Macalé ia passar na portaria às 18 horas, olhei em volta e só achei o Zé Brígido mas, ele já tinha o ingresso dele.
Era véspera de jogo e eu tinha que escolher duas companhias e bolar um plano infalível, essa seria a aventura do século.
Com os meus amigos de sempre eu não podia contar, o Viana e o Feliz eram são-paulinos e eu só podia contar com os irmãos Martins.
Edson e Edilson eram os irmãos Martins, o Edson era preto e grande, o Edilson (Chumbinho) era branco e baixinho e, independentemente da cor de cada um, as caras dos dois eram iguais, feito espelho e, ambos eram corintianos fanáticos.
Assim que pegaram seus ingressos, eles, que tinham familiares na favela da Vila Prudente, começaram a bolar um plano de fuga, eu fui enfático quando coloquei a questão:
_. Ninguém vai fugir, eu não tenho família, nós vamos assistir ao jogo e voltar, se tiver que tomar surra, apanha-se em 3.
E, ainda que eles fossem mais velhos que eu, acharam que a surra dividida seria divertida.
O plano não carecia de grande genialidade para ser executado, levou-se uns bons dez minutos para acertarmos tudo.
Como os irmão Martins eram do primário e não estariam em aula, iriam me esperar do lado de fora do Grupo Escolar...molezinha e tal.
Diz-se que, quando o diabo não comparece em pessoa, manda sempre o secretário, pois bem...lá para as 5 e 30 bateu a paranoia no diretor Sérgio e ele ficou maluco, mandou trancar as portas de saída da escola, palmeirense que era, gritou no corredor que nenhum corintiano ia sair da escola...pronto, deu água no meu bote.
Da sala, eu podia ver os parceiros lá fora a me esperar, os minutos passavam e o desespero aumentava, por mais que eu pensasse, não vinha a solução.
Um outro palmeirense ficou doido de repente, o Cézinha do 24, aproveitando a ausência do professor na sala, correu para a porta e a fechou, ficou segurando a maçaneta e gritou para que eu pulasse pela janela e, eu o fiz, cai do lado de fora da escola, onde os amigos me esperavam, passamos correndo na administração, deu para ouvir o Augustão gritando-nos e não paramos, descemos pela casinha de força e ganhamos a rua.
O caminhão do Macalé ia passar na portaria e não deu para evitar que o seu Felipe nos visse, nos perguntou o careca:
_. Vocês estão fugindo??
_. É, mas nós vamos voltar. Disse eu.
Admirado com a nossa coragem, o porteiro que era tricolor disse:
_. Nesse caso, excepcionalmente hoje, eu vou torcer para o Corinthians.
O Macalé chegou na hora marcada e começou a grande aventura invadimos o campo ao final do jogo, fiquei com as chuteiras do Vaguinho, no dia seguinte dei-as para o seu Luís.
Quando descemos do caminhão, em frente à portaria, já eram duas e meia da matina, pulamos o portão e fomos à residência dos irmãos.
O irmão Simão se espantou ao nos ver e quis saber do que se tratava tão tarde.
Enquanto ele esfregava os olhos vermelhos, contei tudo com riqueza de detalhes, aos poucos ele foi acordando do susto.
_Espera aí, vocês fugiram para ir ao estádio e voltaram?
Sem acreditar naquela sandice, pediu que subíssemos para o corredor da entrada do prédio e nos contou de uma história que ele vivera em Munique, havia assistido o Bayer com o pai e ele tinha uns 9 anos.
No meio da narrativa o Edson perguntou:
_. Vai bater agora, ou depois???
Se ele não fizesse a pergunta eu mesmo a faria, o chato da surra é a expectativa.
O irmão Simão pediu que nós o aguardássemos um pouco e entrou, ficamos a esperar surra, cinco minutos depois ele saiu com um bilhete e nos deu:
_. Digam para todos que vocês tomaram a maior das surras do mundo e estão muito arrependidos de ter fugido do colégio, sorriu e fechou a porta.
Chegamos no 14 dizendo que foi uma surra de tirar bicho, os outros meninos ficaram com pena, o Odilon achou que não precisava mais nos repreender e nem castigo deu-nos.
Pela manhã, os ´pés de jabuticabas da estrada do 11, estavam carregados, o atleticano seu Edmo me saudou cantando o hino do meu time.