segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

O pavilhão 22


Eu sempre vou dizer que o 14 foi um lar para mim, os mais caros e melhores amigos estavam lá, eu e aqueles malucos tínhamos orgulho de nos considerarmos irmãos, no entanto, os últimos dois anos de Educandário Dom Duarte, passei no lar 22.
Em 1981, alguns meses após a queda da diretoria da dona Camila, a dona Néri e o padre Paulo assumiram, começou um tempo de paz no Educa.
O número de internos que tinham idade acima de 14 anos não chegava à 50 e foi decidido que eles iriam morar todos juntos, no mesmo pavilhão, o lar escolhido foi o 22, o seu Raul do 21, que havia sobrevivido aos carrascos de outrora, seria o chefe da turma.
14 anos, eu já havia completado, da velha turma do 14 só havia sobrado eu, o meu irmão, o Viana e o Tadeu.
Gostei muito da ideia de convivermos todos da mesma idade num pavilhão, aquilo seria o máximo, em termos de experiência, a fase de adulto seria oficializada, eu já ensaiava a minha despedida do Educa.
Começaram a convocar todos à diretoria, chamaram o Viana, o Tadeu e até o meu irmão, que é dois anos mais jovem que eu e, não me chamaram.
Desci à diretoria e encontrei na sala, os dois diretores me receberam, disseram que, pelo fato de eu me dar bem com os menores, poderia ser de grande ajuda para o casal Camargo e Neuza, já que eles haviam começado há poucos no comando do lar.
Como eu nunca havia me visto como um futuro funcionário, a ideia não me agradou, por me faltar argumentos, acatei a ordem e, frustrado, sai da sala.
Quando sai da sala, o seu Reginaldo me chamou e mandou que eu fechasse a porta, me contou o verdadeiro motivo de eu não estar na lista do novo pavilhão.
Aquela história do Attiê estava na minha ficha e, isso fazia de mim um fator de risco, segundo a diretoria, eu podia liderar uma revolução, num pavilhão cheio de adolescentes.
Aquilo foi um balde de água gelada, o caminho da administração até o lar, que eu não gastava mais que dez minutos, fiz em uma hora, eu carregava toda a revolta nas costas e, isso pesa toneladas.
Todos os caras mais legais do Educa, juntos num pavilhão e o Niltão no meio da pivetada, uma revolta latejava por dentro, mais cedo ou mais tarde ela explodiria.
Quando eu vinha da escola ou do trabalho, encontrava os amigos e, eles falavam de como era bom a convivência entre eles, eu ouvia calado, parecia que fosse uma festa e eu não havia sido convidado, eu ria, para não chorar.
Num belo dia, eu estava perto do teatro e vi o Luizinho (Guênta) descendo a escada do 13, cheio de sacolas, ele parou perto dos buchinhos e ficou esperando alguém, dali há pouco desceu o Pelézinho do 12, eu perguntei se eles iam viajar.
_. Não, nós estamos mudando para o 22.
Isso foi a gota que faltava no copo da minha revolta, esses dois, comparados a mim, eram infantis.
Subi correndo ao 14, peguei tudo o que me pertencia e desci à administração, fui grosso, empurrei a porta e disse:
_. Vocês não deviam ter medo de mim, num pavilhão cheio de adolescentes, deviam ter medo de mim num pavilhão cheio de crianças...
E, sem que os dois tivessem chances de argumentar, descarreguei tudo, ao final, os dois estavam de olhos arregalados, o padre Paulo coçava um cabelo que ele imaginava que tinha e a dona Néri foi encher um copo com água.
_. Eu não sei como vai ser isso, eu durmo na frente do 22, mas para o 14 eu não volto mais.
Na verdade, eu só fiquei cinco minutos na frente do pavilhão 22, foi o tempo que levou para chegar o bilhete para o seu Raul, quando entrei na sala, fui saudado pelo Galito, o Jurandir e pelo Claudio Farofa, começou assim os meus últimos 2 anos de. Educa, a fase que me diplomou adulto.

Um comentário:

  1. Parceiro, acho que fui seu contemporâneo no EDD. Como interno, conheci Srs. Tinoco e Alanes.

    Eu ingressei no 13 e morei no 22 também.

    Pe. Paulo celebrou meu matrimônio há 30 anos.

    Muitas histórias bacanas.

    Sua memória é riqueza de detalhes impressionam.

    Parabéns!

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