sábado, 31 de dezembro de 2016

O lugar mais lindo do mundo.


O lugar mais lindo do mundo.
Nas manhãs de inverno, quando se perguntava se havia mesmo motivo em sair da cama, uma densa névoa cobria a estrada que levava ao cenáculo, uma bruma que dava impressão de se ter chegado ao céu.
Nas manhãs de primavera, antes do sol se firmar, florezinhas amarelas traziam as borboletas coloridas na subida da jaqueira.
Em alguns dias de julho, um bando de guris esperava embaixo da araucária gigante, o momento certo da penca de pinhões despencar.
Na frente do pavilhão 14 havia uma área sombreada, sombra suave produzida por uma fila de seringueiras bem podadas, atrás do pavilhão uma fileira de uvalhas floresciam e traziam as abelhas, do lado de fora dos dormitórios, uma enorme primavera estendia seus galhos com espinhos e dava flores lilás.
Mesmo conhecendo muitos lugares de São Paulo, o Educa nunca deixou de ser o meu cantinho, meu lugar mais lindo na terra.
Vindo de ônibus, de qualquer lugar, no começo da Raposo Tavares se sentia a temperatura amenizar, se podia sentir a mudança de ares, na curva do cemitério israelita o ar melhorava mais ainda, o coração se sentia em casa, quando se entrava na portaria e iniciava-se a subida de paralelepípedos vinha a sensação de se estar em casa, uma subida que valia pela beleza, do lado direito os prédios mais lindo estavam perfilados, do lado esquerdo o imponente campão se exibia, depois vinha o lago sem nome e o bambuzal, no fim do turismo fantástico se ficava em frente ao SENAI, uma curva à esquerda e vinha o teatro, sempre se dava sorte arrancar uma folha do buchinho que crescia em seu jardim em forma de círculo, no lado esquerdo uma longa depressão punha a piscina aos nossos pés e a vista do campão era muito mais imponente e, se iniciava a subida da jaqueira.
À despeito do meu jeito introvertido, os amigos do 14 eram mestres em tudo o que se referia a habilidades de criança, com eles aprendi tudo, de jogar bolinhas à andar de pernas de paus.
O irmão Augusto se referia a eles como índios e quando faltavam cobras no viveiro, recorria a eles para caçá-las.
Raros eram os meninos que ficavam na terra batida da entrada do pavilhão, salvos os meninos que tinham limitações físicas, o Lucídio e o Adalberto eram esses, raramente saíam dos arredores do pavilhão e gostavam de brincar na sombra das seringueiras.
Paralela às seringueiras, num plano mais baixo, corria uma estrada que findava no pavilhão 15, do lado direito tinha o bananal do 14, a poucos passos da nossa caixa de alvenaria, uma enorme árvore havia sido cortada, ficando ali somente a raiz e ela não morreu, no meio da raiz havia um enorme buraco, dentro desse buraco as abelhas fizeram uma colmeia.
Não se tratava de uma colmeia pequena, quem vinha da bifurcação do 12 ouvia o zunir das abelhas e isso contava uns cinquenta metros de distância.
Os guris do 14 dominavam o ambiente e sabiam tudo da terra, do tempo de plantio, época de amadurecimento e comportamento das plantas e dos insetos, só não dobravam o ar...eu e o Ovinho éramos os gafanhotos, os aprendizes.
Enquanto o Viana, o Edson, o Tequinha e o Spock se aproximaram do tronco, nos mantivemos a uma boa distância do perigo.
O sexteto era assim, quatro mestres e dois aprendizes.
Trouxeram uma câmara de bicicleta rasgada em tiras, um saco de estopa, uns pedaços de paus e uma garrafa de gasolina, não tenho certeza, mas, acho que o último artigo foi roubado do Fusquinha do seu Odilon.
Amarraram as borrachas nas pontas dos paus e cobriram com as estopas, quatro tochas, antes de as empaparem na gasolina, o Spock gritou para o Adalberto e o Lucídio se afastarem, eles observavam da parte mais alta do barranco, correram para a área do pavilhão e se esconderam.
O zumbido aumentou quando o fogo foi aceso, a tocha produzia uma fumaça preta e as abelhas começaram a se afastar, os quatro brandiam as tochas na direção do epicentro, em breve saborearíamos o mais puro dos sabores do mel.
Quando o Viana já havia pego um favo nas mãos, houve uma reviravolta e um enxame atacou o Spock e ele começou a gritar soltando a tocha, os outros, tomados pelo pânico, soltaram tudo e correram, eu e o Ovinho ganhamos a dianteira e descemos correndo o bananal, atravessamos e caímos no fundo do teatro, haviam uns guris do 13 ali, nos viram correndo em sua direção e se assustaram, pensaram se tratar de um ataque vietnamita, gritamos:
_Abelhas.
E esses engrossaram a turma de corredores, perto dos buchinhos haviam mais guris, que passaram a correr também, já estávamos longe e as abelhas não desistiam, ganhamos a picada que fica acima da arquibancada da piscina, correndo ao lado do lago a turma já chegava a uns vinte guris, os guris grandes que tocavam violão na arquibancada, entraram no pelotão e nada das abelhas pararem, a colmeia toda estava no nosso encalço, quando vencemos a subida do bambuzal, percebi que na gola longa da camisa do Spock uma abelha maior que as outras jazia tranquila, já atravessávamos os paralelepípedos rumo ao gramado do Grupo Escolar e então eu gritei.
_Spock, tira a camisa.
Ele, que gritava das dores das ferroadas, batia no próprio rosto.
_. Tira a camisa, você está levando a rainha.
E passaram todos a gritar para o Valter se livrar da camisa, no meio da grama, a camisa dele ficou e toda as abelhas foram para lá.
Param todos os guris no jardim da frente da escola e passaram a contabilizar os prejuízos, eu havia tomados umas cinco ferroadas, nenhuma no rosto, o Ovinho havia tomado umas três, todas no rosto e parecia um personagem de filme de terror, foi difícil não rir da sorte do amigo, por umas boas meia hora ficamos ali conversando e rindo, saímos em 6 do 14 e fomos arrastando quem estava no caminho, haviam uns vinte guris agora e história para contar no recreio da segunda feira.
Pelo caminho de volta achamos a terra de formigueiro, molhamos com cuspes e cobrimos a feridas, coisa de índio.
Quando chegamos ao 14, o Lucídio e o Adalberto já haviam enjoado de tanto mel.

terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Aos amigos do pavilhão 14.


Quando, na Casa de Infância do Menino Jesus, se completava dez anos, ia-se para quarta série. Os meninos que tinham família entravam no último ano de voltar para casa e, sentiriam saudades do orfanato.
Aos órfãos, cabia um ano de expectativa, o último ano dos carinhos das freiras, sair do orfanato, por si só, já era uma tristeza, no entanto, o Educandário Dom Duarte era um caminho inevitável e, se podia prever uma tempestade futura.
O ano de 1976, cursei a quarta série e o São José era o último pátio, último estágio na minha jornada de sete anos, eu tinha vinte e nove amigos e achava que jamais teria amigos tão queridos assim.
Alguns ex-internos vinham, aos domingos de visitas, com novidades sobre a futura casa e pintavam um quadro sombrio, saber que no fevereiro próximo eu desembarcaria no educa me apreendia, em cada comemoração ou festa que eu participava, sabia que seria a última, então eu já vivia no Educandário, um ano antes de chegar lá.
Cheguei com o Hélio, os irmãos Adalberto e Gilberto, o Luís Sérgio e o meu irmão, o Sebastião chegou um mês depois.
O lar 14 era comandado por um casal de monstros e, não havia nada a ser aprendido com esses, briguei e fiquei de castigo no primeiro dia, o desafeto acabou por ser o meu melhor amigo e, mais tarde nos chamamos de irmãos.
O primeiro dormitório era dos pequenos, todos que chegaram comigo foram para lá, à despeito da minha idade, eu tinha tamanho de médio, havia uma vaga no dormitório dos médios, o Sérgio e a dona Ana, ficaram na dúvida se eu devia ficar no dormitório dos médios e, eu disse:
_. Eu estou no ginásio.
Esse era o argumento que faltava, ganhei a terceira cama, à esquerda de quem entra, meu armário ficava do lado direito, guardei minhas roupas, todas elas já estavam com o número 152 carimbado, a minha centena preferida até hoje.
Me lembro de todos os quinze ocupantes, pela ordem, do dormitório dos médios, mas serei aleatório:
O Feliz se chamava Luís Carlos da Silva, os dentes projetados para fora, passava a impressão de um sorriso eterno, o Viana era o Maninho Pequeno, o Floriano era o Maninho Grande, o Valter tinha o apelido de Spock e ele gostava disso, lembrava o imediato do capitão Kirk, o albino Oscar era chamado de Bandido, assim como o Luiz Carlos Dias, os irmãos Lucena(João e Hélio) passavam a impressão de serem opostos, brigavam o tempo todo e, assim mesmo, quem brigasse com um, tinha que brigar com os dois, o Tadeu era chamado de Padal, sem o R mesmo, ele tinha mania de comer algumas letras, se na leitura ela não se destacava, no futebol era um Einstein.
O Lucídio era daquelas almas que jamais farão mal a ninguém, nunca.
O Chumbinho era boa companhia para as aventuras, mas o irmão Edson era a mansidão e a tempestade, tudo ao mesmo tempo, ao mesmo tempo que defendia os menores, enfrentava o seu Odilon...o diabo em pessoa.
Em dias de visitas, a mãe do José Antônio trazia os bodes para todo mundo do pavilhão e o pai do Mamede, que trabalhava na prefeitura de Itapevi, vinha com o basculante e todo mundo subia na carroceria, só de zoeira.

Em pouco tempo, eu entendi que estava errado no que eu havia projetado para o futuro, no 14 eu me senti em casa e, tive os melhores amigos que uma pessoa podia ter tido na vida.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

O irmão Wilson.


Quando estive no Educandário Dom Duarte pela última vez, fiz questão de tirar uma foto com ele, junto dos meus irmãos e, foi o máximo, sempre tive um carinho especial por ele.
Essa pessoa com sotaque carregado do Sul, é o maior culpado pelo fato de eu nunca ter coragem de fazer uma tatuagem, não que eu tenha medo de agulhas, mas, viro a cara para não vê-la penetrar na minha pele.
Periodicamente faço exames de sangue e doação de sangue, esses procedimentos exigem que uma agulha penetre o corpo da pessoa e eu não olho, no caso da tatuagem, são várias vezes, aí não dá, estou fora.
A consideração dos meninos para com o irmão Wilson só não foi para o vinagre, por que ele comandava a banda e a força tarefa, essas duas funções, devolviam a leveza que a Benzetacil tirava deles.
Na assistência médica, tudo, absolutamente tudo, era tratado com a Benzetacil, quando os irmãos foram embora, ele ficou e continuaram a chamá-lo de irmão...a Benzetacil também ficou.
Em qualquer lugar que tivesse uma turma de internos e se um dissesse:
_. Estou com uma dor, acho que vou à assistência.
Imediatamente, os outros, pressentindo o que iria acontecer, punham a mão na nádega e gritavam:
_Aí.
Um dia eu fui correndo da administração até a assistência, carregava um bilhete na mão, a distância não é muito longa, existe uma subida acentuada ao lado do campo de cima que, mesmo sombreada pelos eucaliptos, cansa.
Fiquei cansado e ofegava, a porta estava aberta e não havia ninguém no banco de espera, bati na porta.
O irmão Wilson apareceu na extremidade oposta e me cumprimentou, fiz sinal com a cabeça e não consegui responder, tinha que tomar fôlego, me encostei na parede.
Ao ver o meu estado, ao invés de vir ao meu encontro, entrou na sala de curativos e saiu de lá com uma seringa e uma ampola, arregalei os olhos.
Ainda sem conseguir falar, fiz sinal negativo com os braços e, ele vinha com a danada em minha direção.
Quando ficou de frente a mim e, eu batia em sua cintura, pois eu tinha 10 anos, ele perguntou:
_Prefere no braço ou na bunda???
_Oi?!?!?
_. No braço ou na bunda, não vá me dar uma de mariquinhas.
E me segurou pelo braço, apavorado me desvencilhei e corri, entrei no corredor e entrei na sala do médico e subi na mesa, ele deixou a seringa na mão esquerda e, com grande habilidade, me imobilizou com a mão direita, sentou na cadeira e me trouxe para o colo, meu calção era daqueles de cordão e, já havia se desamarrado, estava no jeito...
Nesse exato instante eu recuperei o fôlego e gritei:
_. Pare irmão, eu só vim trazer um bilhete do seu Tinoco.
Me soltou, leu o bilhete e sorriu, me pareceu que iria pedir desculpas, não deu tempo, eu já havia me mandado dali.

sábado, 10 de dezembro de 2016

Um homem honesto



Na infância, quando a personalidade ainda não se formou, a criança precisa de exemplos, alguns adultos serão um exemplo a não ser seguidos, poucos deles, passarão a ser um modelo.
Homens e mulheres de posturas corretas, vão marcar a vida de uma criança e, mais tarde, serão a referência para o adulto que vai nascer.
Já falei sobre o costume dos internos do Educandário Dom Duarte, quando se juntavam em bandos e saíam para a escola.
Ainda que, não saíssem da calçada, passavam vaiando e rindo de vizinhos.
Sobre os vizinhos dos arredores também já falei, acaba que eu virei um, quando adulto.
O seu Alfredo morava na Eiras Garcia, no lado oposto da calçada que os meninos passavam e, quase sempre, estava capinando, limpando ou plantando um terreno baldio, mesmo que fosse tempo frio, não usava a camisa, tinha um chapéu de palha, uma calça social e as botas de Sete léguas.
Mesmo sendo engraçada a figura do seu Alfredo, os meninos não caçoavam, pelo contrário, essa figura passava uma profunda admiração.
Em procissão, os guris, naquele ponto da avenida, deparavam com a figura do seu Alfredo e gritavam:
_Bom dia, seu Alfredo.
Dono de uma simpatia cativante, ele soltava uma das mãos da enxada, segurava a ponta do chapéu e a forçava para baixo, gritava de volta:
_Bom dia meninos.
Fora do terreno, ele passava com um carrinho de mão, onde levava o seu produto para vender, ou em frente ao bar do Brás ou ao lado da portaria do Educa, onde passava logo período conversando com o seu Felipe, o porteiro.
Esse personagem fazia parte da paisagem e, era muito simpático, é claro que os guris lhe retribuíam a simpatia, agora que olhei a foto dele, me lembrou o Papai Noel e, bateu saudades do tempo de infância.
Anos depois, eu, o Celso do 13 e o Zé Almir do 12, estávamos no ponto de ônibus da portaria do Educa, tínhamos que pegar o buzão da CMTC e, esse demorava muito para passar, o seu Alfredo vendia o seu produto e sentado na guia, conversava conosco e ainda nos chamava de meninos.
A certa altura, disse que ia falar com o porteiro, não o seu Felipe, o seu Deoclécio, pediu que fizéssemos a gentileza de tomar conta do carrinho, sem problemas.
Se ele demorou uns 15 minutos, foi o tempo que levamos para vender toda a mercadoria...bom, ele não nos disse o preço e quando lhe entregamos o dinheiro, tomou um susto, havia o exato triplo da quantia que ele receberia, se tivesse vendido tudo.
Não deu para explicar, pois logo chegou o ônibus e embarcamos.
Quando voltamos ela ainda estava lá, e ficou plantado na portaria por uma semana, até devolver todo o dinheiro das pessoas que pagaram a mais.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

A piscina do Educandário Dom Duarte.









O anjo da minha rua.


A juventude tem momentos que vão te marcar para a vida toda, alguns rostos serão esquecidos e outros serão eternizados, da dona Havanir eu guardo um rosto bonito e sereno, os olhos verdes que cativavam, já surgiam as primeiras rugas e os fios brancos completavam o quadro de beleza singular.
Essa senhora tinha por hábito, cuidar de quem não tinha recursos, enfermeira de profissão, cuidava dos doentes em suas casas e, vez em quando, fazia um parto, como bem cabe à um anjo.
Já tendo vários filhos seus, também assistia aos meninos que não tinham mãe, mesmo correndo, sempre se tinha um tempo para ouvir os conselhos da dona Havanir e, eram poucos, os adultos que mereciam essa consideração de nossa parte, ela olhava nos olhos, via nossas almas e, sempre vinha um conselho.
Claro que crianças crescem e, trilham caminhos perigosos, a estrada do mal exige que o preço da sobrevivência seja a fúria, a inocência dá lugar ao extinto de sobrevivência, via de regra, o mais forte se sobressai e os anjos são esquecidos, a menos que...
Estranhamente, eu nunca vi a dona Havanir em outro cenário que não fosse a rua Osvaldão e, ainda que ela tivesse a sua família e morasse ali, eu nunca entrei em seu quintal, sempre a via e conversava na rua mesmo.
Estávamos em oito, lá para os lados do Taboão e, nos envolvemos numa briga séria, não vou citar os nomes dos outros sete e, no fim da narrativa, creio que você vai entender o motivo.
Eu tinha dezessete e a fúria estalava, nos vimos em menor número e decidimos ir à casa de um dos integrantes da turma, pegaríamos uma arma e mostraríamos nosso valor a balas, em passos acelerados, partimos pra Osvaldão.
Do asfalto do BNH, atrás das arvores principia uma descida, um grosso tronco deitado servia de ponte, por cima do córrego Bota frias, noite sem lua, aquela parte não era iluminada e tivemos que atravessar a ponte, um de cada vez e ganhamos a rua., com o portão do cemitério à nossa frente, na metade da rua chegamos à tal casa, de posse do canhão iniciamos a volta, todos juntos.
No fim da rua, uns barracos acabavam de ser construídos e havia umas famílias novas ali, quando chegamos nessa parte vimos um vulto branco saindo do portão de madeira.
Estacamos diante do susto e permanecemos a olhar, depois da confusão percebemos que era a dona Havanir em seu uniforme de enfermeira, quem estava com a arma escondeu-a, eu dei um passo atrás e me escondi, em vão, ela veio em nossa direção e, mesmo no breu que estava, reconheceu um por um.
E, então???não éramos mais crianças e aquela senhora nos fazia ter vergonha de fazer coisas erradas, eram duas da madrugada, alguns respingos de sangue no avental dela, denunciavam que ela acabara de trazer mais uma alma ao mundo, devia estar muito cansada e mesmo assim, parou para aconselhar-nos.
Como eu disse, ouvi os conselhos desse anjo mais de mil vezes, esse especificamente, me aturdiu. Ela disse numa voz muito serena e não falou do jeito que era seu costume, estranhamente ela disse:
_Meninos, essa vida não dá camisa a ninguém.
Esse tipo de vocabulário não fazia sentido, dito por uma pessoa da geração dela, muito menos cabia à uma pessoa notadamente religiosa, esse discurso demorou uns vinte minutos, quando ela terminou eu já não tinha mais a convicção de abrir caminhos e me impor pela violência, se despediu e se dirigiu à sua, ficamos acompanhando os passos dela e só retomamos o nosso caminho quando ela entrou em casa, quando chegamos à ponte, as palavras dela ainda reverberavam na minha mente, parei e disse aos amigos:
_. Ô gente, não leva a mal não...meu caminho acabou aqui.
No breu daquela escuridão, ninguém disse nada, o Djalma do 15 veio para o meu lado, os outros atravessaram a ponte e sumiram para os lados do BNH, fizemos o caminho de volta ao Educa e, só de manhã o Djalma falou a respeito:
_. Não dá camisa hein?!?!
Era inverno de 1983, estou completando 52, o Djalma é vivo, mas, não curte redes sociais.
Os outros seis, contando seis meses dessa noite, tiveram mortes violentas.
Eu quero acreditar que a dona Havanir, continua a encantar a vida com seus olhos verdes de anjo.