sexta-feira, 16 de setembro de 2016

O All Star importado.



Depois de um tempo, garrei uma raiva tão grande de tênis que, passei a só usar sapatos, os tênis tinham tendência a me dar azar...acabavam me colocando em cada situação que, Deus me livre.
Diferente daquele Tiger que a fofa da dona Djalmira havia me dado de presente, esse eu comprei com o meu suor.
Bom, quem viveu os anos 80 sabe da dificuldade que era, se possuir qualquer artigo fabricado fora do Brasil.
Refrescando a memória de quem viu e explicando aos mais jovens, a nossa nação tinha os portos fechados, os cidadãos dessa terra eram obrigados a engolir todas as porcarias que eram fabricadas aqui, tudo o que vinha de fora, por conta das taxas abusivas, eram quase impossíveis de se obter.
Se esse tênis, nos Estados Unidos, era usado pelos pretos pobres dos guetos, aqui era um luxo para poucos, um luxo que dava status e, por ser um neguinho da moda...claro que eu merecia um desses.
Morando no 22 e trabalhando no almoxarifado da Procuradoria Geral do Estado, juntei exatos quatro meses do meu salário e ainda faltou dinheiro, que remédio, tive que recorrer ao seu Tinoco, que me passou outro sermão, mas me deu o dinheiro.
A coisa funcionava desse jeito, na Faria Lima ou em outro ponto de Pinheiros, havia um cara, que atendia pelo nome de Ananias, ele abria o capô da Variante e exibia seus artigos importados, ou contrabandeados, como se dizia na época.
Essa era uma atividade ilegal, por isso ele vivia mudando de ponto, os seus fregueses sabiam do risco e falavam baixo, a qualquer momento poderiam dar de cara com o Dops, aí o bicho pegava.
Bom depois de dar o dinheiro ao Ananias, tinha-se um prazo de 3 meses de espera, isso era o tempo de ele viajar, comprar o produto e te entregar a mercadoria, se acontecesse algo diferente nesse período...o azar era seu.
Peguei meu but no sábado e depois de calçá-los, o exibi aos amigos do segundo dormitório do pavilhão 22, os amigos comemoraram e ficou de eu os usar no domingo, na matinê da Chic Show.
Pinheiros, rua Paes Leme e coisa e tal e eu de tênis zerinho.
Nesse dia, entramos com a galera de sempre, chegamos juntos eu e o Viana e esperamos o Valdevino, que parou na lanchonete com a namorada dele, dentro do salão o DJ anunciou com orgulho que aquela equipe de som já dava bailes naquele local, para mais de 11 anos e não havia tido nenhuma briga, nesse período todo.
O Tadeu tinha uma namorada que não era muito certinha, fomos ao bar para tomar umas brejas e o Tadeu ficou com ela, o Valdevino também ficou com a mina dele, pudemos ver os dois de longe.
A menina que estava com o Tadeu deu entrada prum carinha de Osasco, o Tadeu não gostou, partiu para o pau, a turma de Osasco enquadrou o Tadeu, o Valdevino foi socorrer e começou a briga de dois internos contra uns vinte...historicamente falando, a primeira treta do salão da Chic Show de Pinheiros.
Nós, o resto da gangue, estávamos a uns 40 metros do epicentro, assim que começou a troca de murros, o resto do povo fechou a roda e, por mais que tentássemos, não conseguimos chegar até eles e, de longe com as luzes piscando, pudemos ver a mais linda luta de todos os tempos, nem o cinema poderia reproduzir essa cena fantástica, o Valdevino bailava e desferia golpes, juntava as mãos em defesa e quando dava um soco, caíam uns 4.
Quando finalmente conseguimos alcançar os amigos, a treta tomou proporções de guerra, por segurança abriram as portas de emergência, lá fora não haviam mais o Butantã contra Osasco, virou mil contra mil e só acabou quando a tropa de cheque dispersou todo mundo, correndo na ponte Eusébio Matoso, enquanto ria, via meu tênis azul ainda limpo.

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Amigos para sempre.


Essa é, como todas as outras, biográfica. No entanto ela transcende o limite do tempo, pois, começa no ano de 1980 e termina em 1997, portanto 17 depois.
Nunca, em tempo algum, tive amigos feito os que tive no lar 14, claro que no decorrer da minha vida tive umas centenas de amigos, tenho a natureza de fazer amigos com facilidade, mas igual aqueles, nunca mais.
E então, ao final daquela partida contra o 13, foi como se houvessem retirado a cereja do bolo, simbolicamente, aquele título selaria com chave de ouro a vida daqueles meninos.
Se aquele dia marcou o apogeu daquela turma, também marcou o início do fim de uma era, aos poucos, os amigos foram saindo do Educa e, aquela turma foi diminuindo, até restar só eu.
Nos caprichos da vida, ingressei na carreira do esporte e, uma dúvida cresceu dentro de mim: Será que se eu estivesse do lado de fora do campo, a nossa sorte teria sido melhor???
Como saber disso com certeza? Só se existisse uma máquina do tempo e a gente poderia voltar no tempo, para resolver aquilo tudo.
Mas, pode o leitor confiar em mim, sem usar os milagres da tecnologia, eu consertei tudo.
Nunca escondi que a minha escalada esportiva se deveu aos ensinamentos que tive no Educa, sentado na escada do campão, apaixonado pelo futebol do Grêmio Educandário, fui aprendendo os segredos do esporte, tendo mestres como Aguirre, Pazzeli e Claudinei, me destaquei e escrevi a minha trajetória como treinador...num sentido mais amplo, tudo o que ensinei aos meus alunos, aprendi no Educa.
Em 1997, me veio uma ideia à cabeça:
Que tal tirar aquela velha dúvida???
E, tendo um time com 3 anos de treino, decidi remontar aquele time do 14, ao meu filho caberia o meu papel, os outros jogadores do Dínamo seriam os outros internos, meus grandes amigos.
Já que a tática do nosso time antigo foi criada mesmo por mim, era ela mesmo que eu usaria.
Não precisou de muito esforço, o time do meu filho tinha um nível de amizade que se aproximava exatamente ao que tínhamos, eu e os moleques do 14.
Um pouco antes de começar o campeonato, numa partida amistosa, a bola não estava em jogo, o trio de meio campo ficou a conversar e, eu sabia que não estavam falando nada a respeito do jogo, por uns instantes eu pude ver uma cena do passado, eu, o Viana e o Feliz, descontraídos, falando besteira.
Uma coisa só, era diferente nesse time, diferente de mim, que era esforçado, meu filho era craque.
E, eu tinha mesmo razão, do lado de fora, pude consertar todas as falhas do time.
17 anos mais tarde, meu filho, com 12 anos de idade, ergueu o troféu de campeão, para lavar a alma dos meninos do pavilhão 14.

sábado, 10 de setembro de 2016

O apelido.


Não me dou bem mesmo com vulgos, eles me soam vulgares, com esse trocadilho infame começo mais uma, 151 postagens falando das coisas do Educandário Dom Duarte.
Oito, entre dez internos eram conhecidos por seus apelidos, alguns eu nem faço ideia de como eram seus verdadeiros nomes, muitos deles adotaram o apelido como se fosse o próprio nome.
Um guri que acabara de chegar ao lar 14, pelo fato de ter os dentes para fora, recebeu o apelido de Silvio Santos, dá para imaginar o porquê de o Ranho do pavilhão 20, ser chamado assim, o Marcelo do 16 tinha um cabelo enorme, o que justifica a alcunha de Bruxa e eu tenho asco ao imaginar o motivo de o Edvaldo do 20 ser chamado de Pingola.
Alguns eram bem ofensivos e, quanto mais o dono do apelido relutasse em aceitá-lo...aí é que ele pegava.
Claro que eu não gostei do meu e justifico o motivo, quando fiquei órfão, perdi tudo, as únicas coisas que me sobraram foram o meu irmão, o meu time e o meu nome e, modéstia à parte, um belo nome kkkkk.
Quando a Kombi da Casa da Infância desembarcou em terras Educandárianas, um mundo novo se abriu e com isso, um novo comportamento e, para se adaptar a esse mundo novo, não houve tempo de preparação.
Rodearam os "novões" o Odilon e os meninos do pavilhão e, como eu era o mais esperto deles, pesaram para o meu lado:
_Novão, qual é o time que você torce???
_Corinthians.
Claro que houve uma grossa vaia, era uma casa dominada pelos anti, no entanto, o Odilon pareceu não ter escutado, eu repeti e quis marcar a valentia, abri os braços na Angola e gritei:
_Corinthians, Timão...Gavião.
Alguns meninos riram da minha empáfia e o Odilon emendou de primeira:
_Gavião...está mais pra Pinhé.
Pinhé é a definição que se dá ao gavião, só que esse tem um porte bem menor e, é bem mais feroz.
Minha reação foi a repulsa imediata, então essa coisa pegou, só consegui me livrar disso aos 16 anos.
Tem pouco tempo, postei uma foto minha, pagando de gatão no carro preto do meu filho, o João De Lucena Filho, que morou no 14, me brindou nos comentários:

_PINHÉÉÉ.