quinta-feira, 23 de outubro de 2014

O time de coração

  Em 1979, ultrapassei o teto da tecnologia que um guri de 12 anos, que ganhava 10 cruzeiros por semana, comprei um gravador portátil, era o máximo, podia ouvir as minhas fitas cassete o tempo todo.
  Bom, o tempo todo não, comprar 4 pilhas grandes era muito caro, guardava-as na geladeira, ou enterrava-as, pra que durassem bastante.
  Geralmente, só ouvia as fitas de noite, a validade de pilhas congeladas nunca ultrapassou a barreira das 2 horas.
  Por esse tempo, o Miguel do 13 e o Claudinho do 16 tiveram uma ideia de gênio...gravar as partidas do Grêmio Educandário em fita.
  Nos considerávamos os maiores torcedores do time, gostávamos de assistir o time da escada que sobe pras quadras, isso era a exata medida do meio campo, todo mundo gostava de assistir aos jogos do coreto ou dos barrancos que ladeavam o campão e o nosso lugar ficava no lado oposto, quase na altura do campo.
  O Claudinho era o narrador, o Miguel era repórter de campo e eu era o comentarista, nesses termos gravamos 2 jogos, o Claudinho imitava o Osmar Santos, o Miguel era fã do Vanderlei Nogueira e eu tentava ser preciso feito o Claudio Carsughi e, ao fim da partida, desanimado eu disse :
  _O grande Grêmio já não é mais o mesmo, ainda que não tenha conhecido a derrota, já não é, sequer a sombra do Grêmio de outrora.
  É...foi muito bonito mesmo, depois que o gravador foi desligado, meus amigos me cumprimentaram e, ficamos ali, por um tempo, vendo o campo se esvaziar e as sombras da noite reinar no campo do E,D.D, depois saímos, cada qual pro seu lado, imaginando o fim triste que se anunciava.
  Como todo grande time, o Grêmio tinha dois meias, que eram o coração da agremiação, o Ditinho e Pivete mandavam e desmandavam, devido a uma reformulação forçada, o time perdeu na defesa, isso fazia com que os dois voltassem pra marcar, sem criação o time caía das pernas.
  Durante a semana o seu Luis da olaria, disse que o seu cunhado ia entrar no time e ele era volante, segundo ele, a peça que estava faltando.
  Contei pros amigos e ainda que o seu Luis tivesse dito o nome, eu acabei esquecendo.
  Sábado de sol, 4 horas da tarde, equipe posta, faltava o nome do estreante, corri pro campo à cata do nome do sujeito.
  O time já se aquecia, passei pelo Ditinho (que é o meu pai adotivo) nem olhei pra cara dele, todos sabiam que só se podia falar com ele depois do jogo, em caso de derrota, somente dois dias depois.Entrei no vestiário e pude ver o sujeito, ele estava ali, os olhos vidrados, olhando um ponto imaginário na parede, sem fazer barulho e com muito medo na alma, sai do lugar, pra minha sorte, o Ney estava la fora, com seu sorriso simpático disse que o nome do estreante ele não sabia, mas o apelido era Murundum, anotei no caderno e passei pro Claudinho.
  O Claudinho começou a narração assim:
  _Talvez hoje seja o dia, o dia da reabilitação, o tal do Morumbi...quer dizer Mutumbi, sei lá, o camisa 5 vai fazer o Pivete sorrir, pois todo mundo sabe, quando a coisa está boa o Pivete sorri.
  Com 5 minutos de jogo, já estávamos desanimados, 2 lances do sujeito, 2 furadas monumentais.
  A essa altura, o Claudinho já havia decorado o nome e gritava:
  _O que é isso Murundum ???
  A torcida ameaçava uma vaia, podia-se ouvir apupos isolados, o dono da camisa 5 estava calmo, como se soubesse que a coisa ia virar.
  O meia adversário ganhou uma bola e partiu pra cima, vinha com ela colada no seu pé esquerdo, nossos corações gelaram, partiu em diagonal, passou a linha do meio, o Murundum foi combatê-lo, emparelhou com ele, como um leão faz, antes de atingir a jugular da presa, colou o ombro no ombro dele, tomou-lhe a bola e freou, quando o volante parou, o meia que estava sendo carregado, caiu pra fora do campo.A torcida delirou, o juiz nem teve coragem de marcar falta, daí até o fim do jogo, foi um massacre, tiveram que trocar os 4 jogadores do meio de campo, a cada chegado do nosso volante, a torcida gritava Murundum, o Ditinho fazia arte em campo e o Pivete gritava:
  _Arrê Esmagueira.