domingo, 21 de fevereiro de 2016

O breve reinado


Naquela pegada, de achar que o Educa era uma ilha, alheia aos acontecimentos de fora da portaria, me proponho a contar, como se eu fosse um historiador do meu tempo e digo que, isso se faz mesmo preciso, já que, a história foi mal contada.
Muitos dos ex-internos não tem o carinho que nós, membros do grupo, temos pra com o Educa, para esses, lembrar-se dos tempos da infância é doloroso, leva-os às lembranças de torturas e servidão e extrema ausência de liberdade.
Não sofremos o mesmo que estes, tivemos a sorte da mudança dos ares, capinávamos feito burros de carga e os laristas vendiam a produção e, nem tem a desculpa, de que era pra alimentação, posto que o seu Julio (Japonês) mantinha em terrenos do Educa, duas hortas gigantescas, que serviam pra esse fim, metade de tudo que era plantado, era mandado pra cozinha central.
Além da olaria e o bloco, os meninos eram explorados por empresas, que até hoje tem reconhecimento mundial, feito a GESIPA do Brasil e a SERPRO, a primeira mandava seus rebites e pregos para os pavilhões, o serviço consistia em prender o prego no rebite, em contato com esse material, os meninos eram obrigados a respirar a particular de ferro que enchiam o ar, a segunda empresa mandava suas cartas de propaganda para ser selado, um movimento repetitivo e exaustivo.
Essas duas empresas intercalavam-se, na época da entrega de seus serviços, remuneravam os laristas e a diretoria e dava aos meninos o pagamento em forma de balas de astronautas.
Não foi quando o André do 22 perdeu os dedos na máquina de fazer tijolos, fato que eu também tive o desprazer de testemunhar, foi meses depois, diante da morte do Celso do 24, afogado no lago que ficava nas costas do pavilhão de mesmo nome.
Por conta do afogamento, a mãe do menino fez barulho, esse barulho teve repercução, isso ressuscitou o caso da olaria, que continuava a funcionar, todo o esforço feito pela Liga pra abafar o primeiro caso não valeu, a mãe do Celso queria justiça, queria saber por que o casal que tinha a obrigação de cuidar do menino, se encontrava a kilometros de distancia.
A imprensa que não era controlada pela Liga, caiu de pau, a Camará dos Vereadores mandou representantes ao Educa, classificaram como exploração infantil e lacraram a olaria.
Por conta desses fatos, houve uma revolução na ilha, a diretoria foi deposta e a cabeça dos carrascos rolaram homens que torturavam, feito Fausto, Odilon e Doca, deram lugar aos novos, no que parecia um show de boas vindas, os buldogs da dona Camila correram na grama do campão... esse foi o prenuncio de uma nova era.
Os ares novos perduraram uns meses, a minha impressão na época era que, a qualquer hora, os meninos se levantariam contra todo aquele estado de coisas, a nova diretoria contornou a coisa toda.
Só pra fim de relato, o padre Paulo, que era um mero arauto na diretoria dos irmãos, agora dava as cartas como um grão-vizir.
Nesse breve espaço de tempo, a banda brilhava e o teatro conheceu o seu apogeu, pessoas com o Jordão, o Paulo, as filhas da dona Tereza do 22(Cuca e Rita) criaram um teatro rico.
Lá no 14, paramos de pegar no pé do trio Valmir, Geraldo e Salvador... os 3 haviam se tornado músicos e passaram a acompanhar o pessoal do teatro.
O Luis Antonio ganhou o prêmio de melhor ator, disputando na Pinacoteca um concurso de atores novos, a peça era "O galo de Belém", numa outra peça, chamada "Aquarela", quem brilhou foi o Zezinho da cozinha, ele era um rei meio doido, cativou o público e arrancou os aplausos de muitas plateias.
Essa peça tinha um roteiro meio despretensioso, uma história de jovens amantes, disfarçava um conteúdo revolucionário e antirracista.
A peça, na verdade, refletia a busca do jovem pela liberdade de fato, não essa, a que o estado propunha.
Quando estrearam, nessa mesma data, o Educa sofre o vendaval, uma verdadeira caça às bruxas.
O teatro foi fechado, funcionários que tinham boas amizades com os internos foram considerados perigosos e demitidos, alguns internos foram acusados de fornecer drogas aos membros do teatro e aos outros menores, o Educa ficou em estado de sítio, nem a Dona Camila e nem o padre Paulo mandavam nesse ínterim, quem comandava os passos era o seu Carlos, marido da diretora, o policial.
E vimos provas serem plantadas nos armários dos amigos, amigos algemados e conduzidos, sem o direito de defesa.
Isso aconteceu no 13, no 11 e no 14, o sentimento de revolta voltou à tona.
Parece que tudo se encaminhava pra o destino de sempre, separados em pavilhões os meninos viam tudo sem saber o que fazer, queriam se impor e não tinham como fazê-lo, teria que acontecer uma coisa muito grande pra juntá-los...
Empolgado com a situação, o seu Carlos não respeitava mais nada, metia o pé e gritava.
Quando chegamos da escola, uns meninos disseram que o Carlos havia chegado, batido no Luis Antonio, amarrado-o e jogado em cima da Pick up, sem mais nem menos, os meninos do 12 já nos esperavam, quando começamos a caminhar a descida da jaqueira, os caras do 11 chegaram, os do 13 nos esperavam na piscina, um fator unira a todos e ele se chamava Luis Antonio.
O policial ficou com medo, quando viu a turba, quando a viatura chegou já haviam quebrado todos os vidros da casa e, se demorasse mais, a casa arderia em chamas.
Terminou assim o reinado.

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