sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

A gente dá o que tem.


O seu Odilon e a dona Ana, é bem provável que tenham tido uma passagem bem desgraçada, cada um deles, em suas infâncias.
Isso justificaria os maus tratos que deram pros internos do lar 14, dois bichos, que resolveram constituir família e acharam um serviço com casa e comida.
Sua função era bem específica; cuidar de 45 menores, dar-lhes uma educação e protegê-los.
Não que isso fosse um serviço fácil, mas durante o tempo que o exerceram, deturparam tudo... espancavam, castigavam e os expunham à escravidão infantil e, lucravam com isso, com a conivência da diretoria e da Liga das Senhoras Católicas.
Analfabeto e coxo da perna esquerda carregava sempre um revólver à cinta, a esposa achava tudo normal.
Quando explodiu na imprensa, a verdadeira condição à que os internos do Educa eram submetidos, a primeira cabeça que rolou, depois dos irmãos, foi a do Odilon.
A sensação de liberdade que nos alcançou nesse dia, deve ter sido igual a da assinatura da lei áurea, quando voltamos da escola, já havia se escafedido o nosso algoz.
Respiramos um ar de liberdade que não conhecíamos e ficou o Luis Antonio, que era o interno mais velho, como nosso responsável.
Luis Antonio, aliás, uma das almas mais iluminadas que eu já tive o prazer de conhecer.
Nesse ponto, tem uma coisa que acontece com meninos, que não cabe explicação... era ruim o Odilon? Ah, ele era bem pior que eu descrevi.
Mas, pra meninos que não tem pai, era um pai ruim, mas era a única coisa que se aproximava da figura de um pai, pelo menos pra aqueles que não tinham um pai, que coisa doida.
E então, contrariando tudo o que o bom senso chama de razoável, fomos, eu, o Viana e o Adilson (Ovinho) visitar o Odilon em sua nova residência.
Foi morar na Vila Borges, bem perto da Foseco, nos recebeu bem o casal, ficamos a tarde toda e eu tive a chance de brincar de novo com a menina Márcia, a filha que tinha uns seis anos.
Quando voltamos pro Educa, já nos paralelepípedos que ladeiam o campão e parte em direção ao Aprendizado, os três tinham a companhia do arrependimento, o silêncio pesava.
Não falei palavra nenhuma, o Viana disse:
_Que merda a gente acabou de fazer?Esse casal tratava a gente feito bicho e a gente sai pra visitar, como se fossem pessoas de bem.
Quando o Viana ficava nervoso, uma veia aumentava e ficava visível em sua testa, permaneci em silêncio, sentia mesmo a vergonha do amigo.
E veio do Adilson, o amigo de menor inteligência, entre todos os amigos:

_Eles não eram bons, é verdade, mas nós somos. Nascemos assim e nem a longa convivência com pessoas ruins, nos há de tirar essa bondade, se é verdade que cada um dá o que tem, nós acabamos de dar à eles o que eles nunca nos deram.

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