quinta-feira, 21 de maio de 2015

Na Casa de Infância do Menino Jesus

 

  Tudo tinha horário, depois do almoço um pouco de televisão e, logo subíamos pro dormitório. Hora de descansar a sesta, pra mim era hora de tortura, nunca me habituei a isso.
Deitávamos nas camas, jogávamos a toalha de mão sobre o rosto "dormíamos" até as 14h00min horas, a Rúbia passava por todas as camas, em revista, e sempre descobria que eu e Fernandinho não estávamos dormindo e como sempre vinha o castigo, (castigo pra ela, pra nós era uma compensação) mandava que nos levantássemos e nos dava um cesto de vime ovalado, que servia pra acondicionar as roupas, tínhamos que descer até a rouparia e pegar as roupas da troca.

Na saída do dormitório recolhíamos o tapete em forma de pé, que ficava na entrada do banheiro, jogávamos-vos dentro do cesto, felizes da vida cruzávamos o hall dos dormitórios e chegávamos às escadas, no começo da escada púnhamos o cesto no chão, um de nós se sentava na frente, o outro o empurrava e pulava pra dentro, o cesto descia carregando-nos e, apesar da felicidade, não podíamos gritar.
Até o térreo, contavam-se quatro lances de escadas e a cena se repetia, sempre trocando a posição dos navegantes, no último, onde se podia ver o bairro do Ipiranga pela janela, nos separávamos, um pegava o pezão e o outro ficava com o cesto.
  O corrimão era largo, a pedra do acabamento tinha cor de barro e era lustrado periodicamente, para alcançar o alto do corrimão e se sentar na posição de montaria, um tinha que ajudar o outro, fazia-se a posição de cadeirinha com as mãos e o outro punha um pé, um impulso e pronto... sentava-se no tapete e se deixava escorrer, ao outro cabia descer sozinho no cesto.
 
No térreo, um longo corredor com sete portas que levavam aos pátios, no fim do corredor havia uma porta dupla azul que dava pra uma sala enorme, do lado oposto ficava a cozinha, sempre se via as vovozinhas, pelo guichê aberto, quando se entrava na sala, se deixava nas costas um grande relógio de pêndulo que batia de três em 3 horas, (isso, por si só, já era assustador) mas não era só. Ao lado do relógio, tinha uma moldura do Sagrado Coração de Cristo que seguia-nos com os olhos, de qualquer local da sala se podia ver que a imagem olhava direto pra si.
  Nesse ponto, o fato de todos estarem dormindo e nós nos divertindo, dava certo temor, passávamos ali correndo... até a próxima escada, mais dois lances e chegávamos à rouparia, a Margarida ouvia a sua rádio novela e sempre estava de mal humor, enchia o cesto com as roupas ainda quentes.


domingo, 17 de maio de 2015

A cobra do lago


 

  A copa de 78, aquela que fomos garfados pela Argentina, assistimos na sala do pavilhão 14, aquele ano fez muito frio, o chão quadriculado de marrom e bege nos deixou marcas nossos traseiros. Os jogos foram disputados à noite, então corríamos da escola pra chegar em tempo de não perder um minuto de jogo, lembro que o Mattiole e o Dalcides discutiram no recreio e chegaram mesmo a ficar beiço a beiço, numa atitude de vias de fato, o padre Paulo chegou e separou-os, agarrado pela turma de deixa disso o Dalcides gritou em tom ameaçador:
  _8 e 15.
Isso equivalia a uma marcação de briga na saída, posto que, o término das aulas se dava nesse exato horário, nos corredores começou o alarido, conversas e expectativas por conta da briga.
  O grande problema é que era... Quinta-feira, logo mais o Brasil iria enfrentar a Áustria. É lógico que quando o sinal das 08h15min bateu, todos correram, pros seus pavilhões e nem se deram conta da briga marcada. O fato é que o Dalcides e o Mattiole nunca brigaram e ninguém mais tocou no assunto.
  Ruim mesmo era ser criança e ter que aguentar, durante o jogo, as sandices do Seu Odilon. Na cabeça dele, a culpa toda foi do goleiro Leão. Quando o guarda metas da seleção fazia uma defesa, ele gritava:
  _Esse Lião é muito macho.
  Quando ele tomava gols, o grito era outro:
  _Esse Lião é um méida.
  A culpa mesmo eu colocava no Claudio Coutinho, que bateu o pé e não levou o Falcão.
  Nos dias seguintes tinha uma narrativa diferenciada do jogo, ela era feita pelo Lucídio, um neguinho que gostava de contar histórias e interpretar aventuras, usava uns sapatos de bico fino e calças pula brejo, sua figura lembrava o personagem do Al Jolson no "Cantor de Jazz", com uma diferença, o ator se pintava e o Lucídio era daquela cor mesmo. Sempre que o neguinho se apresenta, todo mundo parava, ele fazia vozes diferentes, quatro ou cinco vozes, que conversavam entre si... um show mesmo, ele jurava que iria trabalhar na televisão.
  O preferido de todos era o Carlitos do Chaplin, fazia isso com propriedade e por força do hábito, devido á um problema nas pernas, andava sempre com ela fechadas e quase não conseguia dobra-las.
  Por conta disso, não podia ser utilizado no eito, não dava conta de carpir por muito tempo e como esse era o castigo predileto do Seu Odilon, ele se vingou.
  Pra indignação de todos, foi mandado para trabalhar na olaria, onde eu trabalhava, todos os menores do 14 me pediram pra tomar conta dele, alguns me ameaçaram se não o fizesse.
  Fui no primeiro dia com ele, demos a volta na horta do japonês, já que a descida do campo era muito declive pra ele, isso aumentava o meu percurso uns 800 metros, fui o caminho preparado pra brigar, se alguém se metesse a besta. Mas qual, a simpatia do neguinho era fatal, em alguns minutos, já havia feito o que eu demorei umas semanas e já o seu público havia aumento, na hora do descanso ele já mostrava a sua arte.
  Na volta, eu tinha que andar no passo curto dele, passávamos um descampado que levava ao lago, a mata à esquerda e o canavial do 11 à direita, seguia-se um pequeno pântano e chega-se ao lago da horta e uma bifurcação, à direita chegava o campo do 14 em frente à mata. Nesse ponto, corria entre os meninos a lenda de uma cobra gigante que andava por aquelas paradas, dificilmente um guri não sentia arrepios nessa bifurcação.
  Em dias de chuva, devido à lama que se formava na estrada o neguinho não conseguia subir o barranco da horta e eu tinha que empurrá-lo morro acima. A cena era muito engraçada, toda aquela lama, eu com os chinelos nas mãos, escorregando e empurrando o Lucídio, eu gritando pra ele colaborar e ele se acabando de rir. Quase sempre ficavam uns gaiatos do outro lado do campo, no barranco do mandiocal, eles sempre assistiam a cena e chamavam os outros meninos pra assistir, quando chegávamos no pavilhão estávamos cobertos de lama vermelha.
  Por essa época o Roda estava com o habito de caçar cobras, pra vender ao Instituto Butantã e eu fui a umas expedições que ele fazia na mata e até inventei um cabo no bambu oco que prendia a cabeça da cobra, mantendo-a longe.

 Um dia na saída, quando já íamos entrar na curva da horta, ouvimos um barulho na vegetação, voltamos e avistamos uma cobra enorme que media uns bons 12 metros, o Lucídio tremia de medo eu estava fascinado, nunca imaginei ver uma daquele tamanho, se afastava lentamente na direção do lago. Resolvi que ia segui-la, pra saber onde era o esconderijo, mais tarde eu chamaria o Roda.
  O neguinho ali parado, eu disse:
  _Fica aí mesmo que eu já volto.
  E me apressei à bruta já estava longe... muito lenta se encaminhou e quase desapareceu nas touceiras, sem fazer barulho continuei na espreita, na parte sombreada do lago havia uma enorme seringueira, embaixo da arvore um buraco onde ela entrou muito devagar, quando metade do corpo dela havia passado, escutei uma correria atrás de mim, eram os amigos Chumbinho, Téquinha e Viana vinham gritando e ao avistar metade da cobra silenciaram, ficamos os 4 olhando.
  Ao final da cena o Viana me deu uma piaba:
  _Tá maluco moleque?
  Voltamos pro caminho, imaginei que o Lucídio devia estar em pânico... mas, espera aí_disse eu.
  _Como foi que vocês chegaram tão rápido?
  _O Lucídio chegou correndo, dizendo que você estava em perigo... Não terminou a frase, desatou a rir, eu e os outros caímos no mato de tanto rir.

  O Lucídio, que não conseguia andar, acabara de quebrar a barreira do som.