sábado, 5 de fevereiro de 2011

Educandário Dom Duarte-A chegada



Tinha tudo esquematizado na cabeça, eu não ia ser mãezinha de ninguem, não fazia parte da minha natureza, no primeiro vacilo eu ia por em pratica e ia ser no primeiro dia.Descemos no pavilhão 14, eu, meu irmão e o Hélio, o Adalberto, o Gilberto e o Sebastião íamos morar ali, o Donizete e o Fabiano foram para o 12, pavilhão vizinho ao nosso.
Logo de saída sentimos a hostilidade dos novos amigos, alguns dos internos cercaram o automóvel com ar de curiosidade, outra turma que estava no pé de uvalha veio ao nosso encontro, um deles, o mais escurinho tinha um ar ameaçador, vestia uma camisa surrada do São Paulo, com um gesto obsêno ralhou:
_Lá vem os novões, carne nova hein!
O sangue ferveu na hora, de testa eu já não fui com a cara do sujeito, pensei que ele era o sorteado, respirei fundo, senti que meu irmão tinha se intimidado.
Despedímo-nos do Paulo, motorista da Casa de Infância e dos meninos, o larista, que alias gostava de ser chamado de (chefe) chamava-se Odilon, tinha fama de ser cangaceiro, se divertia espancando crianças e fazendo-as trabalhar na enxada.
Todas informações foram passadas por dois dos meninos que se achegaram a nós em menos de dois minutos, eram o Spoc e o Téquinha.
O primeiro tinha traços de australoptéco, sem exageros o rapaz era identico aos nativos da Austrália, vivia a coçar o nariz numa voracidade nervosa, quando não estava estalando os dedos, sua orelha direita era mesmo parecida com o personagem da Jornada nas estrelas, o segundo era alto e tinha um ar tranquilo, daqueles meninos muito escuros e cabelos lisos, conversava conosco, mas olhava-me nos olhos, provavelmente pelo fato de eu ser o mais alto do trio, aprendi, naquele instante que o olhar fixo é uma arma e te põe na liderança logo no começo do proceder.
Estávamos na área de serviço do pavilhão, de lá de dentro saiu o Odilon, olhou-nos com ares de desdem, usava uma calça social, larga na cintura e apertada no pé, um bamba e uma camisa quadriculada, tinha um sotaque do nordeste e mancava da perna esquerda, gesticulava enquanto falava, numa dessas gesticuladas apareceu-lhe o 38 cano curto que a cinta de couro segurava.
Não me lembro sobre o que ele discursava, a visagem do revolver havia feito os meus extinto de sobrevivência apitar forte e eu perdi quase tudo que aquele animal falou naquele momento.Fomos para a rouparia, sempre seguidos pelos internos, eles nos acompanhavam de perto, como se fosse um ritual, alguns iam pra fazer amizade, uns por curiosidade, uns pra intimidar.(acredita-se que quando uma pessoa se intimida por medo será sua escrava por muito tempo, pelo menos até ela perder esse medo, ou descobrir que você não é isso tudo).Quando estávamos na porta da rouparia o menino com a roupa do São Paulo me esbarrou, nesse momento, num tom de desafio abri a minha jaqueta e mostrei o símbolo grande do Corinthians...meio disfarçando, parei em frente do seu tronco e muito rápido, projetei o dorso contro o dele, no mesmo instante, ele caiu no chão, no chão quadriculado, ninguém entendeu nada, nesse momento entrou o Legú, o interno mais velho, que os meninos chamavam de mestre, só ele percebera a cabeçada, olhou pra mim, como quem se admira e, muito rápido desviou o olhar, deu a mão pro menino no chão, um calombo havia crescido na parte superior do olho esquerdo dele, já era um caminho sem volta.O almoço foi arroz, feijão com fígado e batata, assim seria toda terça-feira, depois da refeição o larista se recolheu, o bolo circulava em volta de mim, parte do plano havia dado certo, meu irmão e meus amigos foram esquecidos, o menino com a camisa do São Paulo, sugeriu que fossemos conhecer o campo, enquanto dizia isso, ria, um rizo de maldade, queria a briga, era uma questão de honra, em volta, os outros meninos ansiavam por briga.
  Sem ter como fujir daquilo, acompanhei eles, não era o medo, o que me fazia tremer, era o tempo que isso demorava, rezava pra tudo acontecer logo.Saímos e atravessamos a estrada que levava à igreja, na outra margem tinha um barranco, metade dos meninos na frente, meu rival no meio, eu atrás dele, a outra metade atras de mim, o campo do 14 ficava na parte baixa do barranco, de lá de cima até o campo, tinha uns 15 metro de descida, bati no pé do menino da frente, ele e o bando da frente desceram rolando, o bando de trás parou, eu corri de encontro aos meninos caídos e já estava em cima do menino, dando nele com os punhos fechados, rapidamente formou-se uma roda a nosso redor.Sob o olhar atento da assistência, seguimos trocando socos, cansados paramos de bater e nos agarramos, meu plano tinha dado errado, aquele guri não parava por nada, eu ia pedir água, nesse instante me puxaram do chão, alguém havia chamado o chefe, com dificuldades descia para nos ver, a roda se abriu e ele passou.
  _Quem começou essa merda ? perguntou.
  Dei dois passos à frente, o guri deu três, dei mais um, ele fez o mesmo.
  _Ilha o que temos aqui, dois valentões.
  Olhei pra ele, que tinha os dois olhos roxos, os olhos deles se fixavam nos meus, meu nariz sangrava, muito cansado sentei-me e ele permaneceu em pé, determinando que teria mais.
  Fomos levados ao paiol, deram duas enxadas em nossas mãos, o eito que carpimos nessa tarde, passou de 2 quilômetros e, à noite ficamos no corredor até as 3:00 da madrugada.

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