terça-feira, 18 de novembro de 2014

A morte de Elis

Em 19 de Janeiro de 1982, soubemos da morte de Elis, logo pela manhã.E não foi a morte de uma artista, foi a morte de uma pessoa próxima, eu tinha 16 anos e tudo que eu sabia de música, era pela voz dela, através dela eu conheci o clube da esquina, o balanço de Tim Maia e a poesia de Belchior. Ouvia uma música, não importava o estilo, e já pensava: _Puts, na voz da Pimentinha, fica legal. Eu e meus amigos do colégio, estudávamos no E.E.P.G Alcides da Costa Vidigal, no ginásio e resolvemos que não iriamos pra aula nesse dia, no dia seguinte fiquei sabendo que os poucos guris que foram pra escola, tiveram que voltar, todos os professores e a diretora, haviam faltado. Alguns dos amigos disseram que iam para o velório, eu não fui, até hoje, sou avesso à funerais, fiquei sozinho, fui andar. Como não ia usar o dinheiro da condução, resolvi tomar um refrigerante. Fui até o bar do Barroso, puxei o banquinho, pedi a Coca e sentei, o Barroso estava com os olhos vermelhos, o homem era um troglodita e eu duvidei que fosse por conta do luto, mas, pra me contrariar, ele já foi falando da morte da Elis e, sem qualquer vergonha, chorou compulsivamente e se retirou pra atras do balcão. Eu estava em silencio e assim permaneci, na mesa atras de mim, haviam 3 senhores, que bebericavam suas cervejas tranquilamente, a esposa do Barroso saiu da cozinha, passou pelo balcão, me acenou com a cabeça e foi ligar o radio. O locutor falava da perda da grande estrela: _Essa gaúcha de Porto Alegre... Vendo que a noticia ia fazer mais infeliz o marido dela, girou o botão e desligou o radio. O mais velho, dos homens da mesa falou: _Gaúcha, veja você, eu sempre achei que ela fosse daqui mesmo.Ela tinha um jeitão daquele povo da Moóca. O homem do meio da mesa, tirou o chapéu: _Jurava que era Mineira. O terceiro não disse nada, tinha os olhos fixos no copo, e o silencio imperou no ambiente, uns minutos mais tarde, pegou o maço de flores, que havia acomodado no colo, levantou-se e disse aos outros: _Vamos lá, prestar nossas homenagens.

sábado, 1 de novembro de 2014

Seu Luis da olaria

Em 1977, eu tinha 11 anos, trabalhava pela manhã na olaria e estudava à tarde.
A olaria do E.D.D era tocada por 6 adultos e umas 8 crianças, o seu Paulo operava o trator, jogava a terra ou argila em 2 enormes tanques, que ficavam num plano alto, onde o Osvaldo e o Turquinho, com suas pás, jogavam-na numa esteira, a esteira levava a terra para a boca da máquina, lá, ela era triturada e prensada em formas que giravam, quando as formas viravam com a boca pra baixo, soltavam o tijolo em sua forma retangular em outra esteira, todos deitados, um do lado do outro, um dos meninos levantava-os em dupla, outro menino recolhia duas duplas de tijolos, essa era a quantia certa para mãos de crianças apanhar, depois colocavam num carrinho, duas fileiras com 24 tijolos em cada carrinho, assim que enchia um carrinho o menino saía para as alas, o menino que estava no lado oposto da esteira, começava a encher o seu carrinho.O carrinho era puxado como uma carroça, não era raro machucar o tornozelo, a áste de ferro, que dava equilíbrio ao carrinho, se não estivesse na altura certa...doía muito. Uma vez na fileira, os tijolos eram acomodados com cuidado, com as mãos eram afastados, coisa de 2 dedos de distancia um do outro, a fileira de baixo pra direita, a de cima pra esquerda e assim ia, até completar 8 fiadas de altura, cada fileira media 25 metros, os tijolos afastados permitiam a passagem do vento e o arranjo de zig-zag, dava equilíbrio.Terminado os tijolos do carrinho, o mesmo era virado, pisava-se no eixo com um pé, com as mãos segurava-se o apoio, o pé que ficava no chão servia para dar o impulso, o carrinho agora era um patinete e o menino virava um corredor.
Haviam mais dois funcionários...o Marcos Aurélio era o chefe, a ele cabia a responsabilidade pela produção e o seu Luis, que era quem cuidava da máquina.O Marcos Aurélio era um antigo interno que não conseguira se virar sozinho no mundão e voltou, pra atazanar as nossas vidas, gostava de bater em crianças e achava que nada fosse lhe acontecer. O seu Luis era mais velho, sua filha estudava na minha sala, usava um chapéu de palha e fumava cigarros com palha de milho, daqueles brancos que quando sorriem ficam vermelhos, se o Turquinho era um corinthiano fanático, o seu Luis era mais tranquilo.Certo dia o seu Luis achou uns ossos no meio da argila, disse que era ossos humanos, 10 minutos depois apareceram uns carros do exercito e a olaria foi lacrada por dias, o pior é que, a argila vinha de dentro do Educandário, não disse nada no pavilhão e passei os 3 dias na casa do seu Luis, já que a sua esposa acabara de dar a luz e eu ficava tomando conta da Luciana, filha mais nova. No dia 9 de Outubro daquele ano, o seu Luis me chamou e disse, em tom calmo: _Eu já dei tanto azar pro Corinthians, vê se você não me decepciona. E tirou do bolso um ingresso da final do campeonato paulista, poucos presentes me trouxeram tanta felicidade, no dia 11, entreguei-lhe um par de chuteiras, as mesmas que eu tirei dos pés do Vaguinho, no fim do jogo. Se o seu Luis era um exemplo de homem pra nós, o Marcos Aurélio era o contrario, essa coisa de corrida de carrinho no horário de serviço o deixava furioso e como ele tinha autorização pra manter a disciplina à qualquer custo, encomendou uma palmatória, no dia que ela chegou, numa caixa especial ele mostrou pros outros funcionários, estava tão feliz que não percebeu que os outros se entreolharam, pra falar a verdade, aquilo foi muito esquisito. É claro que, diante da ameaça de apanhar, as corridas foram suspensas, agora só corríamos quando ele se ausentava. Ele tinha o habito de, depois do lanche, ir ao banheiro, punha o rolo de papel higiênico debaixo do braço e ficava lá, uns 10 minutos, nessa hora eu carregava o meu carrinho, o Gilvan, já com o carrinho cheio, ficou me esperando, quando eu terminei e virei o carrinho pra puxar, ele iniciou a corrida pra sua fileira, corremos parelhos e entramos, cada qual de um lado pra descarregar os tijolos, terminamos ao mesmo tempo, ao mesmo tempo viramos os carrinhos, vencemos a ala de tijolos e chegamos ao longo corredor, tinha uns 25 metros, fiz a curva na frente, mais uns 10 metros e estaria liquidado a fatura, chinelei com vontade, só quando cheguei perto da máquina pude perceber que o Aurélio já estava lá e com a palmatória na mão.Era tarde, eu havia corrido tanto que ficara em cima dele, não dava pra fazer mais nada, preparei-me pra sentir a dor. Ele levantou a palmatória no ar, fechei os olhos e a pancada não veio, abri os olhos e o seu Luis o havia impedido de continuar o movimento, segurou a mão dele.Então, aquele homem que ninguém nunca viu levantar a voz gritou: _Não encoste nos meninos. Depois soltou a mão dele, eu ainda estava no mesmo lugar, o Aurélio levantou a mão mais uma vez, o seu Luis tornou a aparar com a mão direita, com aesquerda deu-lhe um soco(pra falar a verdade, não sei se foi um soco ou um tapa, foi muito rápido) só sei que o Aurélio voou uns 5 metros e caiu em cima da esteira,quando ele levantou deu de cara com o Osvaldo e o Turquinho, cada um com sua pá, plantados à sua frente.