sábado, 26 de novembro de 2016

Um beijo para crescer


Em Outubro de 1978, eu já havia fechado as matérias e ia pro Luiz Elias Attiê só pra cumprir tabela, havia passado o inverno, mesmo assim as mamoneiras, que acompanhavam o lado oposto da horta do Japonês, ainda amanheciam com uma camada de gelo, na metade do caminho o sol as derretia, esse fenômeno natural fazia com que ficasse a impressão de que elas ferviam, por cima da plantação, pairava uma suave névoa e, se saíamos dos pavilhões encapotados, nesse ponto, o calor nos fazia tirar as blusas e as amarrar na cintura.
A minha turma ia se juntando pelo caminho, na altura do lago do 24 já estava em número suficiente para começar o coral, o repertório era composto de sucessos de Fagner e Zé Ramalho e os meninos cantavam com sotaque rasgado, feito os cantores nordestinos:
..."Quanto tempo temos, antes de voltarem aquelas ondas"...
Fora o fato de ser nerd, eu era invisível e, gostava de sê-lo.
Uma turma grande começou um incêndio no bambuzal do lago, eu estava na tropa, o irmão Augusto disse que estava escondido e vira todos que participaram do incidente, uma turma reunida e, ele foi tirando um a um, dos meninos que estavam, quando chegou perto de mim desviou o olhar e.… eu tive a impressão de que, se esticasse a mão na minha direção, ela me atravessaria. Todos os envolvidos foram severamente punidos e, ninguém se lembrou que eu estive por lá, essa era a vantagem de ser invisível.
O Attiê nada mais era que, uma extensão do Educandário Dom Duarte, de ponta a ponta, os internos dominavam as ações, já tinham a fama de serem bons de bola e passaram, por conta de uns, a ter a fama de pegadores, muitos já namoravam e cresceu, entre as meninas da região, a vontade de ter um interno como namorado.
Mas, isso ocorria com os meninos mais velhos que eu, eu dava sempre o azar de ser o amigo das meninas e, amigos são só amigos, não namoram.
Entre as minhas várias amigas, havia a Valdeci, uma amiga de verdade, com quem eu conversava sobre literatura e mitologia, uma parceira de estudos e muitas risadas.
Quando o nome Valdeci era gritado em sala, ela tinha que engolir o constrangimento de atendê-lo, junto com o Valdeci do 13 e o Valdeci do 17.
Minha amiga tinha quatro irmãos mais velhos, todos iniciados na carreira do crime, não era de todo feia, mas era alta, mais alta que o mais alto dos internos, por isso, recebeu o apelido de girafa, num tempo em que as meninas iam à escola com calças jeans apertadas, ela ia de vestido de chita, daqueles que a barra chega no tornozelo...então, esse conjunto de situações, acrescido pelo nome masculino, faziam da minha amiga, a pessoa que ficaria no fim da lista das pessoas que um guri quisesse namorar e, ela só queria um interno pra chamar de seu.
_E eu, não sou um interno???
_. Ah, você é meu amigo.
Em certo ponto, ela colocou aquilo na cabeça, como se fosse uma prioridade, uma meta mesmo, podia ser o Arthur do 19, o Porfírio do 20, o Xodó do 21 ou o Mancha do 17, desde que fosse interno e popular, ela chegou a dizer que só assim ela poderia passar da fase da adolescência.
_. Fala a verdade Niltão, eu sou feia???
_Claro que não, o que te atrapalha é esse seu nome.
_. Esse era o nome do meu bisavô, minha avó exigiu que eu fosse batizada assim.
_. Está vendo, nem conheço a sua avó e, ela já é a segunda pessoa que eu mais odeio nesse mundo.
_. Quem é a primeira???
_O George Foreman.
E por mais que ela desse entrada, ninguém a olhava, ela era aos olhos dos meninos, tão invisível quanto eu e, não gostava disso.
No último dia de aula, haveria uma festa e iriam levar um som para a sala da oitava série e seria a despedida do ano letivo, como eu disse antes, a discoteque não fazia o meu gênero e então eu não participaria daquele baile, eu disse a ela e ela fez um olhar que me deixou com medo, me fez lembrar do filme "Carrie, a estranha", segurou nos meus braços, com os olhos estalados e a boca bem perto da minha disse:
_. Venha querido, vou te fazer uma surpresa, não vais se arrepender.
Era uma sexta feira, o último dia de aulas, arrumaram uma vitrola com grandes caixas acústicas e deixaram o som bem alto, um globo de espelho jogava luzes coloridas na penumbra, no meio da pista o Xodó dava seus passos tresloucados e dominava a atenção de todos, os meninos e as meninas hipnotizados com a dança e eu esperava meu par, doido para aquilo tudo acabar e eu ir jogar rebatida no campo do 14.
Já estava impaciente, quando olhei pra porta da entrada e avistei a Valdeci, fiquei petrificado, ela estava vestida num colante azul com contas que brilhavam, a saia preta colada ao corpo tinha um rasgo lateral e mostrava-lhe as pernas inteiras, toda maquiada e com os cabelos negros esvoaçando e um gostoso odor de alfazema a seguia, eu estava no fundo da sala, para chegar até onde eu estava, ela veio em passos lentos, à medida que ela passava os meninos paravam de dançar, mesmo os que estavam acompanhados, aqueles que sempre a desprezaram, agora a olhavam com olhar de cobiça, a despeito de todos os olhares ela continuou vindo a mim, me desencostei da parede e perfilei, como um cavalheiro que merece uma dama.
Ninguém mais dançava, aquela menina que ninguém conseguia ver, agora os hipnotizava e, diferente das meninas que ali se encontravam, ela tinha um corpo escultural de uma mulher adulta, já do meu lado e me abraçando ela disse ao meu ouvido:
_. Fecha a boca Niltão, quer um babador???
Eu, que costumo dizer besteiras em horas impróprias, fiquei calado, estava tão surpreso quanto todo mundo que me olhava com inveja.
Mas, mesmo que eu não soubesse o que fazer, eu sempre tive amigos e quem tem amigos não morre pagão, o Gibi foi na vitrola e jogou no ar "The Commodores-Easy" e diante de todos olhares, não me fiz de rogado, encostei o rosto no rosto da amiga e rodei um floreado com ela, a mão direita na face e a esquerda na cintura, ao fim da música ficamos ainda com os rostos colados, como vingança já era suficiente, mas nos deixamos ficar assim.
E, os dois amigos invisíveis se beijaram na boca, um beijo demorado, que marcou a despedida de uma fase de suas vidas.

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

A amizade


Já contei das amizades, entre os internos e entre os funcionários do Educandário Dom Duarte.
É claro que haviam, ocasionalmente, divergências entre os moradores dos pavilhões e, isso seria muito normal, as pessoas tem por costume, esse habito de defender o seu espaço e seus amigos mais queridos.
O Grêmio era o único fator de união entre todos, internos e funcionários, as 3 categorias formavam a seleção do Educa...dentinho, dente e dentão( infantil, infanto e juvenil).
Nessas duas fotos, que foram feitas pelo Udiney, podemos ver acima o time titular, com a camisa verde, que tinha o escudo da Liga das Senhoras Católicas no peito....observação_Esse escudo foi idealizado pelos funcionários Ditinho da gráfica, Nelson do 22 e Roberto do 17.
Abaixo, está o time reserva com seu uniforme de treinos, nele eu me encontro, juntamente com meus amigos do 14, os inesquecíveis Viana e Feliz.
O time de cima era administrado pelo Ditinho e o reserva pelo Luis Paulo, com o aval do professor Claudinei.
O que eu chamo a sua atenção é, pra o fato da repetição de um jogador específico e vou lembrar de um amigo muito especial chamado Matheus.
Já disse em outra postagem, que foi ele quem indicou o trio do 14 ao professor e, ele era tão especial que, além de treinar com os medalhões, treinava também com o time reserva, nas horas árduas, ele competia com o Luis Paulo em palhaçadas.
E então, na foto de cima ele está fazendo pose de pop star e, na de baixo, eu tento fazer pose de quem quer parecer revoltado e ele me abraça, como se dissesse:
_Calma irmão, a coisa vai melhorar.

terça-feira, 15 de novembro de 2016

O Jacaré.


Aposto que você pensou que eu ia falar da lenda do jacaré, que habitava as águas do lago da pedreira.
Mas, isso era pura lenda mesmo, por aquelas bandas haviam macacos, cobras, preás e fantasmas, esse réptil foi coisa inventada pelos funcionários da pedreira, não fosse isso, os meninos do Educandário Dom Duarte viveriam pulando no perigoso e assombrado lago.
Jacaré não era um réptil e sim um cachorro...o cachorro.
Se corresse o Educa, iria encontrar vários cães que faziam companhia aos internos, perguntando para os meninos do 12 eles te diriam que o melhor de todos os cachorros do mundo era a pastora alemã Laika, os meninos do 19 diriam que o melhor mesmo era o Peri, a maioria dirá que o Viele era o mais querido de todos.
Criadores e veterinários dizem que, com cuidados extremos, um cão não viverá mais que 14 anos, posto isso, sou obrigado a concordar que o Jacaré foi um fenômeno, esse viveu 17 anos e eu, fui testemunha de seu nascimento e morte.
Em 1977 eu trabalhava na olaria, quando vinha para o trabalho, o seu Luís, que era o encarregado da máquina trazia sempre uma cachorrinha, essa o acompanhava sempre e, é claro que os meninos se divertiam muito em companhia dessa nos intervalos e na hora da saída.
No dia que ela deu cria, eu e o Lucídio fomos à casa do seu Luís e vimos a ninhada, foram sete cachorrinhos, deu nomes a todos e, deles todos, o mais fraquinho, o que menos parecia ter chances de vingar, ele batizou com o nome de Jacaré.
Preocupado com a frágil saúde do pequeno cãozinho, o homem passou a levá-lo para a olaria, sempre enrolado em uma toalha, ficava quietinho ao lado da esteira, o seu Luís de quando em quando, passava os olhos.
Devidos aos extremos cuidados do dono e a torcida dos meninos, o Jacaré vingou, da ninhada toda ele passou a ser o maior, de natureza calma, mas, assustadoramente grande.
Não era desses cães que fazem festa ou vão buscar bola ou graveto, quando via um amigo, se sentava ao lado e ficava perto, e acostumou tanto com a olaria que não foi mais pra casa, os arredores da olaria virou o seu lar, era comum vê-lo sentado ao lado do seu João do forno e, num outro momento, ganhando comida do Carlinhos do artefato de bloco, de noite e nos fins de semana ele vigiava todo o complexo, do barranco do 11 até a estrada da assistência, o estranho ouvia um latido forte, que por si só, já metia medo e, repentinamente, um monstro aparecia na sua frente.
Quando a olaria foi fechada, continuei a passear por aquelas bandas e, quando me via, vinha ter comigo, uma amizade silenciosa.
Depois da morte do seu Luís, o Jacaré continuou a guardar o território, quando íamos pescar ou caçar rás, ele vinha e nos protegia, voltávamos pelo lado da mata, ao lado daquela fera, nada nem ninguém nos metia medo, ia conosco até o pavilhão 14 e, quando a luz do dormitório se apagava, ia embora.
Cumpri o meu tempo de Educa e fui embora do colégio, virei adulto, em 1985 fui trabalhar no Cemitério Israelita, na empresa Uni jardins, minha esposa esperava minha filha.
Assim que cruzei o portão do Israelita, um enorme cachorro veio latindo ao meu encontro, fiquei surpreso, pela primeira vez vi o Jacaré me fazer festa.
_. É Jacaré, eu também estava com saudades.
Um dos funcionários me disse que eu estava enganado, aquele cachorro se chamava Bob.
O encarregado Lindolfo, estranhou que aquele cachorro, que não gostava de ninguém, foi fazer festa para um estranho.
Eu disse que esse cachorro eu conhecia desde filhotinho e que ele pertencia ao finado seu Luis.Ele disse que o cachorro havia aparecido fazia já uns anos, ele simpatizou e ficou cuidando dele.
O Educa havia mudado muito e os antigos moradores já haviam saído de lá, o Jacaré atravessou a avenida e foi viver nova vida, tinha até nome novo.
No tempo que trabalhei ali, o cachorro me acompanhava por todo lado.
A vida é evolução e vivi o que ela havia me reservado, em 1994, quando foi inaugurada a nova sinagoga, voltei para o Israelita, agora eu era vigilante, o Lindolfo já havia morrido e o Jacaré me recebeu de novo, se os outros vigilantes faziam rondas em duplas, eu fazia a ronda da meia-noite sozinho claro, na companhia do meu amigo de infância e, como na infância, nem alma me metia medo.
17 anos ele já havia completado, sentou-se, fechou os olhos e se foi...sem dramas, como sempre foi a sua longa vida.

domingo, 13 de novembro de 2016

A conduta

A conduta
Se diz que, "tudo o que aqui se faz, aqui mesmo se paga", sempre acreditei muito nisso, portanto sempre semeei a paz, na esperança de colher mais tarde.
Não fique o leitor enfadado, pensando que vem por aí uma história de conteúdo espiritual, cheia de mi-mi-mis com fundo religioso, não...só vou contar uma história com dois tempos, para mostrar que a conduta certa tem, no final, suas compensações.
Continuando a estrada do pavilhão 14, cerca de uns 800 metros mais, se chega ao Cenáculo, os mais antigos o chamavam de pavilhão 25 e, eu nunca entendi o motivo disso.
Nesse prédio, viviam as freiras e as noviças que praticavam a caridade e acredito que, ainda hoje o fazem.
Era muito comum, por aqueles tempos, essas amaríssimas mulheres, distribuir cestas de alimentos às pessoas necessitadas e enxovais para os bebês que estavam por chegar e ministravam cursos também, por conta disso, vários moradores dos arredores do Educandário Dom Duarte, aos fins de semana, procuravam o auxílio das freiras do Cenáculo.
Como eu disse, para se chegar à caridade das freiras, fazia-se necessário o uso da estrada do 14, parte dos meninos desse pavilhão achavam que a estrada lhes pertencia.
Bom, a Tereza não era uma menina comum, tinha um quê de beleza sim, no entanto se vestia feito moleque e brigava também, tal e qual um moleque.
O parceiro e fiel escudeiro dela, atendia pela alcunha de Muçum, era escuro feito a amiga e tão boca suja quanto ela, uma pessoa que não reparasse bem, pensaria que se tratava de dois guris.
Quando passavam na estrada, geralmente acompanhados de algum adulto, devolviam os palavrões que os internos lhes impunham e, quando desacompanhados, passavam correndo e provocando, na volta, eles passavam pelo caminho da igreja.
Eu nunca concordei com essa besteira de propriedade e, quando os meninos do 14 programaram uma armadilha, eu disse que não participaria, a minha opinião contava pouco e, foi planejada a vingança.
No sábado combinado, os internos ficaram escondidos no bosque à espera das vítimas, eu fiquei no barranco das uvalhas, bem em frente ao pavilhão, não participaria, mas, teria uma visão privilegiada da contenda, como cabe à todo bom historiador.
Eram mais ou menos duas e meia da tarde, quando a Tereza terminou a subida da jaqueira e apontou na estrada, pude vê-la e ao Muçum, eles vinham com os olhares preocupados, pressentindo mesmo o perigo, dessa vez, porém, eles tinham companhia.
Havia com eles um guri menor, se a dupla tinha uns 12 anos, como era a nossa faixa etária, o guri branquinho e magrinho aparentava uns nove, dez anos, no máximo.
Quando o trio chegou à curva da estrada, na bifurcação que faz divisa com o lar 17, os internos saíram de seus esconderijos e os surpreenderam, alguns tinham torrões nas mãos, outros carregavam paus, contava-se sete contra três, pulei do barranco e fiquei no meio:
_Opa, no pequeno ninguém encosta a mão.
Peguei o guri pela mão e, diante dos olhares de reprovação dos amigos, levei-o para o barranco.
Lá de cima pudemos ver a maior comédia de todos os tempos, a Tereza, dava raquetadas feito gente grande, o Muçum se entregou fácil, mas a Tereza dava socos, pernadas e cabeçadas e, com as punhos fechados à frente da cara, chamava os meninos pro pau.
Quando parecia que a menina já estava cansada, ouve-se um barulho vindo da direção do 12, era um barulho característico de motor de fusquinha 1300, imediatamente os meninos do 14 somem no mato, o menino que estava comigo e, juntamente com os dois que brigavam, aproveitam e saem correndo.
Haviam duas opções, podia ser o carro do irmão Domingo ou o fusquinha do seu Odilon e quando o carro aparece, não era nenhum nem outro, era o padre Eduard, o americano.
Meus amigos não me quiseram mal por conta disso, todavia, eu fiquei uns meses rindo deles, sempre que eu ouvia um desaforo, vindo deles, batia no peito e dizia:
_. Pelo menos, eu não apanhei de menina.
Isso, meus caros, se deu no ano de 1979, pegue o calendário e vire as páginas rápido, só pare quando se passarem três anos, pronto... o ano agora é 1982.
Ainda somos amigos, só não somos mais crianças, não brigamos por conta de estradas.
A Tereza agora é uma mulher linda, dança rock samba com uma habilidade sem igual, as largas ancas, a boca carnuda e o colo avantajado, não lembram nada a aparência quase masculina que ela ostentava no passado e não briga mais para passar, sua formosura lhe garante passe livre em qualquer caminho que ela queira, por ela, os selvagens se atracam, agora é chamada de Tereza Aragão, por conta do sucesso do Jorge Bem.
Quando vi a Tereza num baile, morri de rir dos amigos, mas ela nem se lembrava daquele episódio, para a sorte dos amigos.
A primeira vez que estive na casa da Angela Camargo Victorino, havia acabado de lhe propor namoro, recebi um sonoro NÃO, fiquei meio desanimado, mas não ia me entregar fácil mesmo, do lado de fora da casa dela encontrei um rosto conhecido, o rapaz me disse:
_. Hei, você não é aquele cara que me salvou no Educa???
Relembramos a cena e demos boas risadas, disse que era irmão da Ângela e que me devia muito, um dia iria pagar.
É claro que prontamente eu respondi:
_E para pagar é muito fácil, está vendo a sua irmã???fala bem de mim para ela.
Bom, aquele molequinho virou tio dos meus filhos.

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

O curso de natação


Sem saudosismos, é que, eu já havia escrito uma postagem a respeito e, ela sumiu.
Então, vou reescrevê-la e, não tocarei mais no assunto, pelo menos, farei o possível.
A piscina do Educandário Dom Duarte era o lugar que eu mais gostava de frequentar, depois do campão e do teatro ...e, estranhamente, eles estão desenhados numa linha reta se, se continuar a linha, tem o campo do 15 e a igreja.
Sempre gostei da piscina e, entrava n'água mesmo em dia de frio. Mas, gostava tanto que, na adolescência, me orgulhava de ser um dos ajudantes do Luís Paulo, a vantagem era que, enquanto os outros guris usavam a piscina, cada um no horário do seu pavilhão, o ajudante e o Luís Paulo ficavam dentro dela, o dia todo.
Outra coisa que o Formigão também fazia, era ensinar os guris a nadar, com ele aprendi a salvar pessoas em vias de afogamento e, ao longo da minha vida, devo ter salvado umas 13 pessoas, no mínimo.
Aprender nadar levava um tempo, coisa de uns dois meses, para ter certeza mesmo do aprendizado, uns quatro meses, no entanto, nadar eu não aprendi com o Luís Paulo, foi com o Salvador, um valentão...senta que lá vem história.
Na primeira semana de Educa, eu com a idade de dez anos, tive a honra de conhecer o Salvador, esse tinha uns 15 ou 16 anos, cuja a maior diversão era importunar os meninos menores, o problema comigo é que nunca tive o perfil de uma boa vítima e, sempre dei trabalho aos valentões, devolvia tudo na mesma moeda, quase sempre, com troco desproporcional.
Enquanto os meninos de um pavilhão faziam uso da piscina, os outros aguardavam o seu horário, a arquibancada e os arredores ficavam apinhados de internos que esperavam sua vez.
Esperando na arquibancada, estávamos eu, o Viana e o Feliz, o Salvador passou por nós e fez uma piada ofensiva que se referia a nós, claro que tal piada, se fosse feita por um guri da minha idade, geraria um bate-boca e, consequentemente, uma briga seria a consequência.
Mas, um menino de dez anos jamais briga com um de dezesseis, fisicamente não se pode nem imaginar, então eu fiz a única coisa que um guri que não leva desaforos pode fazer, levantei-me desafiador e respondi:
_. É a vaca da sua mãe.
No mesmo instante da minha frase, deu para ver os olhos do valentão, crispavam de ódio, antes que ele precipitasse a corrida, eu e os parceiros já estávamos correndo, do lado de fora do banheiro da piscina uma trilha estreita antecedia o barranco que leva ao teatro, corremos e ganhamos as arvores que circundavam o lago, em desabalada corrida passamos pelo bambuzal e demos a volta completa no lago, com o Salvador em nosso encalço.
Quando chegamos na frente da piscina, a porta já estava aberta e os guris do 14 já entravam, entramos junto.
O problema é que, o valentão também era do 14 e, é claro, entrou também, fila para o banho de mangueira e o pulo na piscina, eu não sabia nadar, pulei para o lado raso e fiquei ali, a minha esperança era que, pela presença do Luís Paulo ali, o Salvador fosse fazer uma trégua.
Por uns cinco minutos me deixei ficar tranquilo e, me esqueci do ocorrido, num susto, me vi erguido no ar, acima da água.
Do lado de fora da piscina, o Salvador andava comigo levantado pelo calção, cruzou ela toda, subiu na prancha do trampolim e me jogou na parte funda.
De olhos abertos senti que havia chegado nos azulejos do fundo, joguei o corpo para cima, respirei e dei umas braçadas descoordenadas, ajeitei o corpo e passei a bater os pés, feito isso, percebi que já havia chegado na parte rasa, podia pôr os pés no chão, dei meia volta.
Quando me jogou na água, o Salvador pulou também, para garantir que eu não me afogasse, nadou ao meu lado, quando percebeu que eu voltava pro fundo em vigorosas braçadas, saiu pela borda e se sentou abismado, cheguei no lado fundo e subi, alguns meninos, junto com o Luís Paulo, aplaudiam a minha façanha, subi no trampolim e não fiz pose, lá estava o Salvador sentado na borda, pulei justo do lado dele, com as pernas cruzadas, pior que o banho, foi a vergonha que ele passou.
Quatro, no máximo cinco segundos, foi o tempo que durou o meu curso de natação e, nunca mais alguém me viu naquela parte rasa da piscina.

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Terra do futebol.


Me causou espanto saber que, haviam internos que não gostavam de futebol, me soou como se eu tivesse lido a história de jeito errado, e ou, visto o que eu queria ver.
Sempre me pareceu que o Educandário Dom Duarte fosse uma ilha com produção monocultural e agora, olhando bem, não era bem assim.
É claro que a maior parte dos internos e funcionários viviam e respiravam futebol, mesmo aqueles que tinham algum impedimento físico, feito o Aparecido do 13, que amarrava os óculos à cara, para praticar o esporte, ou mesmo o Naldinho do 17, que era coxo e, mesmo assim, um grande goleiro.
Quem se destacava dos demais, o fazia por conta do futebol, por exemplo...dos filhos da dona Júlia da lavanderia, o Vicente impressionava a todos, quando mostrava o corpo esculturado e, na barra que ficava ao lado do campo, fazia mais de 500 flexões na ponta dos dedos, o Reinaldo também era muito conhecido, boa praça e ai Jesus das meninas, no entanto, seus nomes sempre vinham seguidos de "o filho da dona Júlia".
O João Carneiro, que também era filho da simpática senhora, por ser craque, tinha a autonomia que a fama confere e, era chamado apenas de João.
Quando o meu amigo Alfredo Ruy Cardoso, me disse que não gostava de futebol, forcei a mente e descobri que, de fato, haviam algumas pessoas que não praticavam o esporte mesmo, sequer desciam ao campão, lembrei de pelo menos uma dezena dessas pessoas e, fui obrigado a mudar a minha opinião, quanto à monocultura.
O Vander do 12, era uma dessas pessoas que não possuíam qualquer impedimento físico pois, ser doido, não é classificado como impedimento físico e, mesmo assim, não gostava da bola.
Bom, a dona Dulce, assim que pisou em terras educandárianas, mostrou-se preocupada com esse fato, foi comandar um pavilhão que todos os moradores, incluindo o seu próprio marido, pensavam, dormiam e sonhavam, falando de futebol.
Isso, à incomodava tanto que, tomou uma atitude radical.
Comprou um vídeo game, retirou a televisão da sala e a levou para a área do fundo do pavilhão e, foi um alvoroço só.
Em 1980, ter um vídeo game, era um luxo para muito poucas pessoas, a dona Dulce elevou os meninos do 14 ao mais alto nível da modernidade e tecnologia, vira e mexe, algum daqueles índios lhe beijava a mão.
Tudo isso, ela fez, para colocar nas cabeças dos meninos algo mais que o futebol e, por um tempo, o campo do 14 ficou às traças.
O jogo era simples, dois jogadores se enfrentavam, o mesmo controle, servia para os dois, um botão para cada, uma bolinha aparecia na tela e, se batia nessa bolinha, quem errasse a batida permitia que a bolinha ultrapassasse o seu canto da tela...muito sofisticado à época.
No campo do 14, o mato crescia e, com 45 meninos para jogar, a fila era enorme, a febre pelo jogo eletrônico crescia.
Bom...o problema da febre é que, se ela não te matar, ela vai passar, enquanto esperavam a sua vez no jogo, passaram a brincar de bobinho no quintal do pavilhão, a espera era tão grande que a brincadeira com a bola fez com que a velha paixão voltasse, alguns não apareciam mais e se deixavam ficar no campo.
Ao cabo de um mês, a dona Dulce recolheu o jogo, achando que haveriam reclamações, não houveram reclamações, alguns meninos nem se lembravam de qualquer referência, de alguma coisa que não fosse o velho e bom futebol.