quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Terra do futebol.


Me causou espanto saber que, haviam internos que não gostavam de futebol, me soou como se eu tivesse lido a história de jeito errado, e ou, visto o que eu queria ver.
Sempre me pareceu que o Educandário Dom Duarte fosse uma ilha com produção monocultural e agora, olhando bem, não era bem assim.
É claro que a maior parte dos internos e funcionários viviam e respiravam futebol, mesmo aqueles que tinham algum impedimento físico, feito o Aparecido do 13, que amarrava os óculos à cara, para praticar o esporte, ou mesmo o Naldinho do 17, que era coxo e, mesmo assim, um grande goleiro.
Quem se destacava dos demais, o fazia por conta do futebol, por exemplo...dos filhos da dona Júlia da lavanderia, o Vicente impressionava a todos, quando mostrava o corpo esculturado e, na barra que ficava ao lado do campo, fazia mais de 500 flexões na ponta dos dedos, o Reinaldo também era muito conhecido, boa praça e ai Jesus das meninas, no entanto, seus nomes sempre vinham seguidos de "o filho da dona Júlia".
O João Carneiro, que também era filho da simpática senhora, por ser craque, tinha a autonomia que a fama confere e, era chamado apenas de João.
Quando o meu amigo Alfredo Ruy Cardoso, me disse que não gostava de futebol, forcei a mente e descobri que, de fato, haviam algumas pessoas que não praticavam o esporte mesmo, sequer desciam ao campão, lembrei de pelo menos uma dezena dessas pessoas e, fui obrigado a mudar a minha opinião, quanto à monocultura.
O Vander do 12, era uma dessas pessoas que não possuíam qualquer impedimento físico pois, ser doido, não é classificado como impedimento físico e, mesmo assim, não gostava da bola.
Bom, a dona Dulce, assim que pisou em terras educandárianas, mostrou-se preocupada com esse fato, foi comandar um pavilhão que todos os moradores, incluindo o seu próprio marido, pensavam, dormiam e sonhavam, falando de futebol.
Isso, à incomodava tanto que, tomou uma atitude radical.
Comprou um vídeo game, retirou a televisão da sala e a levou para a área do fundo do pavilhão e, foi um alvoroço só.
Em 1980, ter um vídeo game, era um luxo para muito poucas pessoas, a dona Dulce elevou os meninos do 14 ao mais alto nível da modernidade e tecnologia, vira e mexe, algum daqueles índios lhe beijava a mão.
Tudo isso, ela fez, para colocar nas cabeças dos meninos algo mais que o futebol e, por um tempo, o campo do 14 ficou às traças.
O jogo era simples, dois jogadores se enfrentavam, o mesmo controle, servia para os dois, um botão para cada, uma bolinha aparecia na tela e, se batia nessa bolinha, quem errasse a batida permitia que a bolinha ultrapassasse o seu canto da tela...muito sofisticado à época.
No campo do 14, o mato crescia e, com 45 meninos para jogar, a fila era enorme, a febre pelo jogo eletrônico crescia.
Bom...o problema da febre é que, se ela não te matar, ela vai passar, enquanto esperavam a sua vez no jogo, passaram a brincar de bobinho no quintal do pavilhão, a espera era tão grande que a brincadeira com a bola fez com que a velha paixão voltasse, alguns não apareciam mais e se deixavam ficar no campo.
Ao cabo de um mês, a dona Dulce recolheu o jogo, achando que haveriam reclamações, não houveram reclamações, alguns meninos nem se lembravam de qualquer referência, de alguma coisa que não fosse o velho e bom futebol.

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