sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

O seu Felipe

Se aquela imagem da portaria, que virou até tela de quadro, nos identifica e nos leva a ter boas lembranças da infância... a lembrança do porteiro, nos dá a mesma satisfação.
O seu Felipe se esforçava para ser um profissional linha dura, daqueles que cumprem tudo à risca, fora do seu horário de trabalho era bonachão e ao lado do seu Bernardo, jogava truco valendo dinheiro e frequentava casas de má reputação em Pinheiros, quem o via na portaria, nem imaginava que era um cara (pra usar um termo atual) descolado.
Era são paulino doente, pra ele, o pior de todos os bandidos do mundo se chamava Vicente Matheus.
_Por que, seu Felipe?
_Estava tudo certinho, o Sócrates já estava comprado e vai o bandido na calada noite e...
Eu me acabava de rir daquele careca ridículo, que como eu disse em outra postagem: "Me viu entrar criança e sair adulto feito".
Mas nem sempre foi assim, a consideração minha pra com o porteiro.
As vezes eu ganhava uns trocadinhos e queria gastar, comprar umas guloseimas no Mercado Paraná ou no bar do Brás.
Via de regra, saíamos pela casinha de força, se fossemos pela portaria, seríamos barrados e o seu Felipe diria:
_Menor só sai com um bilhete da administração.
Essa era a ordem que ele tinha que cumprir independente da nossa indignação.
Uma tarde, estávamos eu, o Viana e o Chumbinho, depois de uma rebatida no campão, resolvemos que, à pulso, sairíamos pela portaria, gostasse o seu Felipe ou não.
Ficamos na escadinha, perto do mastro da bandeira e assim que um carro ficou em frente do grande portão, nos levantamos.
Preparados na estrada de paralelepípedos esperamos com calma o porteiro abriu as duas partes do portão, com a prancheta na mão, passou a fazer perguntas para o motorista, nesse instante passamos correndo e ganhamos a rua, pra voltar usamos a casinha de força.
Claro que a ousadia nos custaria caro, o seu Felipe iria contar na administração, ficamos preparados pro pior, entre a mão pesada do Domingão e os beliscões na barriga que o Augustão daria e o castigo no corredor, a escolha era difícil.
Estranhamente, passaram-se uns dias e nada aconteceu.
_Curiosos fomos à pensão no período da tarde e ele estava jogando com o seu Bernardo.
Perguntamos o motivo de ele não nos ter denunciado.
_Pra que? Vocês iriam apanhar ficar de castigo... tudo repetido.
Falou conosco sem tirar o olho do adversário, depois, com calma disse:
_Fiquem aí, que depois que eu rapelar esse marreco, vou ensiná-los a jogar dominó.

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