sexta-feira, 10 de junho de 2016

O irmão José.


Queria dizer umas boas do irmão José, mas o que dizer de uma pessoa cuja maior qualidade era o silêncio?
Partindo pras aventuras de fim de semana, fazíamos uma pausa pra comprar o filão com mortadela, que o irmão cortava com faca e embrulhava num papel de seda, com pouco dinheiro, o jeito era comprar as balas de astronauta mesmo e não importava a pressa do freguês, o atendente demorava sempre.
Trabalhei lá por uns meses, aprendi a verdadeira arte da paciência, às vezes eu tinha vontade de sair correndo, queria falar e o irmão José me mandava respirar, os assuntos ficavam nas reticências e ele nem se mostrava interessado em continuá-lo então, o assunto morria.
No fim do expediente, ele trancava a porta gigante e descíamos a escadinha pra rua, eu seguia pra direita e ele ia rumo à administração, o sentido inverso. Por vezes eu fazia as duas vozes da despedida:
_Até amanhã.
_Até amanhã.
A vida passava e o almoxarifado parecia um portal do passado, o prédio antigo, as porta de madeira maciça e a presença do velho e paciente irmão.
Cheguei muito cedo, numa manhã de verão e como de costume, fiquei sentado na amurada da entrada, aproveitando os raios de sol e ouvindo o meu radinho Evadin, claro... rádio Jovem Pan.
“Hora certa”...
Seis e quarenta em São Paulo...
REPITA
“Seis e quarenta em São Paulo”.
Absorto na minha liberdade, não tinha pressa de começar o serviço, mas, sempre saía cedo do pavilhão pra evitar a escala de limpeza.
De súbito fiquei de frente pra porta e estranhei a ausência do enorme cadeado que a ornamentava.
Talvez o irmão José já houvesse chegado, fui até a entrada e empurrei a gigantesca porta, ela abriu em frandes e mostrou uma enorme sala vazia, sacas e sacas de mantimentos haviam sido levadas, pra meu desespero, limparam também a parte dos doces. No balcão, jazia a faca que fatiava a mortadela.
Desci a ladeira íngreme que dá no pátio do grupo escolar e cheguei à residência dos irmãos e desacelerei pra acompanhar os passos do meu chefe.
E subiram todos, até o seu Bernardo e o seu Mates motorista, que levou o cachorro Viele consigo.
Quando estávamos na curva acima da administração, o cão latiu e correu na direção da caixa de força, o povo não ligou pra isso, eu e o seu Mates fomos ver do que se tratava.
Ali, no espaço alto do barranco sobrara dois sacos de feijão, o de cima estava rasgado e o produto se espalhara pelo chão.
_Rota de fuga. Disse o irmão José, com um ar de Sherlock Holmes.
O seu Mates sorriu enquanto acariciava o cão detetive:
_Sabe tudo, esse menino, sabe tudo.
Meia hora depois chegou o Fusca da polícia civil, uma hora depois trouxeram dois adultos algemados pra confirmar o roubo e esclarecer os fatos, ambos haviam sido interno do Educa.
Repostas todas as mercadoria, a vida voltou ao seu curso e, o almoxarifado voltou pro começo do século.

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