terça-feira, 22 de setembro de 2015

O chupim


Na segunda metade dos anos 70, o Educa era uma pequena cidade do interior em pleno coração da capital paulista, muito pouco do ruído de fora, interferia no cotidiano dos moradores dessa cidade, pra fazer justiça de verdade, o colégio parecia um pequeno país... a vasta extensão territorial, compreendia uma linha imaginária que seguia da avenida Heitor Antônio até o Taboão da Serra e outra linha que compreendia a parte norte do bairro do João XXIII até a Pedreira, toda essa terra fora doada pelo ilustre Bráulio Silva, ainda no começo dos anos 30.
Se pudéssemos ver o colégio como um pequeno país, podemos ver que cada pavilhão poderia ser um estado, cada qual com seu quinhão de terra e seus limites, sob as leis de um comando central, a administração.
Cada pavilhão tinha a sua bandeira, posto que, em tempos de campeonato interno, cada um gritava pelos seus e havia uma seleção, que todos torciam e serviam... chamava-se Grêmio Educandário.
Como todo país que se preze, tinha a sua própria língua, língua propriamente dita não, era um dialeto.
Algumas expressões, interjeições e termos que só faziam sentido para os moradores desse país chamado Educandário Dom Duarte.
Em postagem passada falamos da interjeição "Nó", trataremos agora de dois verbos muito usado pelos internos e alguns funcionários do Educa , são eles: "Chupinhar" e "Encanar".
O primeiro fazia alusão ao pássaro que tem o habito de botar os ovos em ninho alheio, era usado pra definir o roubo de alguma autoria intelectual, exemplo:
Um menino tinha um jeito de dominar a bola, o outro fazia igual, o primeiro menino gritava:
_Você está-me chupinhando.
Nisso havia sempre um terceiro menino que atiçava:
_Vai deixar? Se é comigo, não deixava.
Nesse caso, começava o quebra pau, coisa de uns 10 minutos de pancada, depois voltavam a serem amigos.
O segundo verbo era usado quando alguém estava se escondendo algo que ninguém podia saber, ao descobrir o que foi escondido, havia um grito:
_Encanei, vou querer, senão conto pra todo mundo.
A vasta plantação do lar 14, era bem distribuída no que compreendia a sua divisão territorial, a ganancia do velho Odilon era tanta que a área plantada de qualquer pavilhão não chegava à metade da nossa, o infeliz do interno do 14, carpia o dobro do que carpiam os outros internos.
Embaixo dos pés de uvalha, que ficava na parte alta da lateral do pavilhão, eu, o Viana e o Téquinha perceberam que nossos rivais se movimentavam, entreolhamos e ninjas que éramos, bastava isso pra já ter um plano em ação.
O Valmir, o Geraldo e o Salvador eram grandes, se descobrissem que a nossa missão maior era tornar a vida deles um inferno, nos bateriam muito, mas isso não detinha a nossa paixão por uma boa aventura.
Sem perceber que estavam sendo observados, os três foram até a lateral do prédio, olhando pros lados, feito quem se esconde, lá em cima fizemos que não percebesse a movimentação, fingindo uma conversa casual.
A 10 metros do pavilhão havia dois barracos de madeira, um era o galinheiro, no outro eram depositadas as ferramentas, o Valmir seguiu pra lá, os outros dois ficaram montando guarda, segundo depois saiu com um facão na mão, quando vimos, já ganhamos a lança e pulamos na estrada, corremos pelo lado oposto do deles, passamos pelo milharal, pulamos a estrada e chegamos ao bananal, no meio dele havia uma enorme mangueira, subimos nela e esperamos os grandes.
Chegaram falando alto, arrotando vantagens e riam alto, como se fossem os mais malandros do mundo, cortaram cinco cachos de bananas no ponto, escolheram esconderijos nos buracos que se formam no espaço de uma bananeira a outra cobriu com as folhas secas das próprias bananeiras e com as folhas da mangueira, enquanto faziam isso, riam.
Quando os vimos passar na estrada, pulamos juntos, pegamos os cachos e agachados passamos pelo milharal, atravessamos a estrada do 12 e descemos pro bosque, "enrustimos" os cachos perto dos abacateiros e rindo, fomos empinar nossos pipas e ouvir Clube da Esquina.
Em dois dias um cacho de bananas amadurece, não fomos lá de imediato, ficamos perto da primavera florida, bem na bifurcação entre o 12 e o 14, sentados na paz com nossos gibis de super. Heróis.
Os grandes passaram por nós e fizeram piada:
_Lendo fotonovela?
Demos de ombros e seguramos o riso, sabíamos aonde iam, mesmo assim o Téquinha perguntou: 
_Vão aonde, fazer troca-troca?
Rimos e corremos pra frente do pavilhão, eles ameaçaram correr e parou, o Salvador gritou:
_Ia dar uma banana pra cada, agora não vão ganhar nada.
Desaforados que éramos voltamos pro nosso lugar, coisa de uns 4 minutos, saíram de mãos abanando e discutindo entre eles, parecia que o Valmir estava chorando.
O Viana, com a maior cara de santo, perguntou:
_Ué, cadê as bananas?
Por muito pouco, não caímos na gargalhada, os três falaram junto:
_O chupim roubou.
Estavam no ponto às bananas, quando as tiramos do esconderijo, na arquibancada do campo do 14 a erosão havia formado um buraco, com boa vontade uma caverna, esse era o nosso esconderijo levou nosso prêmio pra lá e riamos alto.
Lá fora escutamos uns passos nas folhas secas e paramos, olhamos para a entrada da caverna, subitamente dois moleques pularam juntos e gritaram:
_Encanei, vou querer.
Depois do susto, vimos que eram o Spock e o Floriano, o Viana disse:

_Ah cala a boca, senta aí que tem pra todo mundo.

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