quarta-feira, 9 de setembro de 2015

A lei do retorno



Não sou e nunca quis ser o dono da verdade, até por que, a verdade depende de cada ponto de vista, de cada angulo que se vê a questão.
Quando os amigos entoavam canções que satirizavam o jeito de ser de certas pessoas eu não cantava junto, pelo simples fato de não concordar com certas coisas, mas não falava nada a respeito, faziam músicas sobre a comida, o filão de pão e outras coisas.
Lembro-me que o irmão Simão tinha fama de ser carrasco e o pintavam como se ele fosse o próprio diabo, ainda que eu não o visse desta forma, nunca expressei essa opinião, sabia que não conquistaria o apoio de ninguém e então me calava.
Tinha já essa fama o alemão, quando fui trabalhar na cozinha central (pavilhão 23), foi com certa expectativa e quebrei a cara, acabei conhecendo um cara humano e admirável.
Que veio do exterior, feito o senhor Francisco do 12, que fora tangido pela guerra, a diferença é que o Simão havia vindo por vontade própria.
Nessa época eu estava indo de mal a pior em matemática, fiz reforço com ele e melhorei muito, o cara me tratava muito bem e pela fama que ele possuía, passei a acreditar que eu fosse um guri de muita sorte.
Portanto, quando os amigos falavam mal, eu desconversava e mudava de assunto.
É claro que muitos internos sofreram abusos, em todos os lugares, onde se convivem fracos e fortes, a tendência é o forte dominar o fraco.
E por forte, nesse caso, se entende mais velho, os mais velhos tendem a judiar dos mais novos... isso é uma lei quase universal, repito que acontece e vem acontecendo tem milhões de anos.
O que o mais velho esquece, geralmente, é que a sua vítima vai crescer e, quem apanha não esquece... isso é tão certo quando o sol nasce a cada dia.
Quando começamos a frequentar a sonzeiras embaladas pelo Funk, percebemos que, apesar de adolescentes, tínhamos tamanhos e posturas de adultos, nas noites da cidade, andávamos com os adultos e já tínhamos namoradas adultas, daí em diante, passamos a nos comportar como adultos, na verdade, o pior tipo de adulto, aquele que está crescendo.
Em certo momento (e isso é coisa que eu não me orgulho de falar), começaram as vinganças pessoais.
O Valdevino, numa saída de baile, encontrou com o Carlos Augusto, lembrou que ele havia lhe abusado na infância e não deu outra, cobriu-lhe de pancadas, numa outra festa o Dooley encontrou o Cobasa e a historia foi à mesma, abuso na infância e pancada agora.
Nessa brincadeira, o Viana se vingou de meia dúzia desses ex-internos e o neguinho não perdoava, colava o brinco.
Não que eu fosse santo, mas só olhava aquilo tudo, nada daquilo me dizia respeito, entendia tudo como uma lei.
Num belo dia, quando saíamos de um salão em Pinheiros, dei de cara com o Marcos Aurélio e, no mesmo instante me veio o filme:
Eu, com 11 anos, mirradinho e um idiota adulto, com uma palmatória na mão... o sangue ferveu na hora e deu trabalho, pra me tirar de cima, poucas vezes na vida, eu agi dessa maneira e até esse momento não me arrependi.
Mas não era só violências, as nossas saídas pela cidade, sempre que víamos os irmãos Bazão e Bazinho, seja onde fosse, cumprimentávamos com euforia, como se cumprimenta a um irmão mais velho.
Uma manhã, vínhamos de ônibus, uns 20 amigos ao passar por uma praça avistou o capitão Pazzéli, sozinho num banco, alguém gritou:
_Olha lá o professor.
Imediatamente demos o sinal e descemos do buzão, voltamos e encontramos o capitão, o abraçamos e fizemos festa.
Essa vingança foi a melhor de todas, ver aquele homem, que nós julgávamos ser de ferro, lutar contra as lágrimas que caiam dos olhos... essa cena eu vou levar pra sempre.
Numa festa de gala no Palmeiras, estávamos no meio da pista, naquela rodinha de passos ensaiados, alguém avistou o Jordão lá na arquibancada, imediatamente formou-se uma fila indiana, um atrás do outro, rumo à arquibancada. Eu estava no fim da fila, do primeiro a apertar a mão do Jordão até chegar a minha vez, foram 32 minutos, muita gente se espantou com isso, uma menina veio perguntar:
_Quem é esse negão, alguma celebridade?
E pra mim é a pura verdade, o Jordão era celebridade, os irmãos Basílio eram astros da bola e o capitão, o capitão é uma força da natureza.
E vai a vida seguindo e seguindo seu curso... Numa estação de trem, quando voltávamos de uma festa no ABC, eu e o Viana avistamos o irmão Simão, que ia em sua companhia uma espetacular loura, cuja a estatura superava a dele em quase um palmo.
Somente eu e o Viana o vimos, assim que ele teve certeza de quem se tratava, passou a correr na direção dele, correndo do lado oposto à saída da multidão, eu precipitei a corrida também, dessa vez eu ia impedir a vingança. Como corríamos contra o fluxo de pessoas, fui arrastado e não conseguia me desvencilhar da multidão, o Viana já estava bem perto dele e gritou:
_Irmão Simão.
Assustado com o grito, ele se virou para o meu amigo, abria os olhos e fechava, na ânsia de reconhecer.
O Viana continuou andando firme, sem poder ajudar fechei os olhos e quando os abri, não pude acreditar no que via.
Sem qualquer constrangimento, o Viana o abraçou e agradeceu por tudo, algumas pessoas na multidão ensaiaram umas palmas.

No caminho de volta o Viana me contou, que quando criança, sem pai e mãe, só no mundo, conversava muito com o irmão Simão.

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