segunda-feira, 31 de agosto de 2015

A lei das mães


É costume de todos dizer "Na minha época é que era bom", não digo isso nunca, entendo que a minha época é agora, posto que, ainda sou feliz.
Mas, filosofias à parte, vivi a minha adolescência e começo da juventude nos atribulados anos 80, quando nasceram os sons atuais, logo após as contestações e delírios do amor livre e a utopia da liberdade que as décadas anteriores anunciavam, é claro que era gostoso se viver nessa época, mas era perigoso também. O maior índice de jovens "desaparecidos" da historia se fez registrar nessa década.
Vivíamos a liberdade, mas o medo espreitava em cada esquina, cada passeio podia ser o último.
Liberdade era só uma expressão que o Taiguara cantava meninos feito eu sequer sabia o que significava de fato.
Nas ruas, o policial (que tinha o curso primário) tinha uma conduta:
Está na rua, não tem testemunha... mata e desova.
Os jovens tinham a sua conduta:
Nunca andar sozinho, andar em bandos dificultava o trabalho da polícia e te garantia a segurança, além da companhia dos amigos.
As mães tinham o seu código e, esse era o mais poderoso de todos:
Fazer barulho e ser a testemunha, sempre.
Quando começamos a frequentar os bailes, andávamos todos em bando, já que, sempre fomos um bando, "o bando dos neguinhos do Educa", assim éramos chamados nas ruas, havia vários elementos de cor clara no grupo e mesmo assim eles se chamavam de pretos.
Os primeiros que entraram na nova onda foram o Valdevino, o Viana e o Rogério (Japonês), que foram ao baile da Chic Show e chegaram ao lar 22 contando do som, do calor e das minas, não nessa exata ordem, a partir desse dia, os fins de semanas mudaram radicalmente, eu o Biriba, o Dooley, o Coquinho, o João Augusto, o Tadeu, o Lindolfo, o Breu, o Pelézinho, o Zóinho, o José Fawstino, o Matiole e mais uma turma, passaram a frequentar as noites e as matinês balançantes, primeiro em Pinheiros e depois a cidade de São Paulo ficou pequena.
A essa turma, se juntaram moleques da FEBEM, moradores do São Jorge e do Jd Peri-Peri e, é claro, alguns moradores da Rua Osvaldo Libarino de Oliveira, nessa rua a turma se encontrava.
Quando a turma estava completa, chegávamos ao total de 60, às vezes até mais, sempre juntos, essa era a nossa maneira de se proteger.
E é claro que com tantos elementos, era difícil evitar as brigas com outras turmas, mas o grande número também servia para evitá-las.
É sabido que, na maioria das vezes, internos não tem mãe, os que têm estão longe delas, nunca poderíamos contar com a terceira conduta, a menos que...
Numa noite fria, fomos pra Rua Osvaldão, eu, o Viana, o Valdevino e o Zóinho, íamos encontrar o Betão e o Cezar e partiríamos pro Palmeiras, encontraríamos o resto da turma lá na Lapa.
Na metade da rua, notamos que a iluminação caiu, a rua ficou escura, mas continuamos a caminhada, quando chegamos à casa do Cézar, dois faróis altos foram jogados em nossas caras, gelamos e ouvimos a frase temida:
_Mãos pra cabeça, aqui é os home.
Sem ter tempo ou pra onde correr, obedecemos e encostamos-nos à parede da casa do Cézar, fomos revistados e algemados e jogados na viatura, tudo muito rápido e silencioso, em nossas almas, sentimos que o final havia chegado, não conseguia enxergar os amigos, mas sabia que eles pensavam como eu, o bater da porta gelou-nos.
Depois se ouviu o abrir da porta do motorista e o ligar do motor, clamávamos por um milagre.
De repente ouvimos uma voz conhecida:
_Moço, meu filho está aí?
Era a dona Geralda, mãe do Cézar e do Betão e ela sabia que seus filhos estavam em casa, tornou a gritar, fazendo com que os policiais descessem do carro:
_Minha senhora, como é o nome do seu filho? Perguntou-lhe o policial.
_O nome dele é Roberto Carlos, continuava gritando à senhora.
O policial abriu a porta traseira e jogou a luz do farolete em nós:
_Tem algum Roberto Carlos aí?Acenamos negativamente.
_Olha minha senhora, o rei deve estar fazendo algum show por aios demais riram.
Com os gritos da dona Geralda, as casas foram se abrindo e os vizinhos se aproximaram da viatura.
_Moço eu não estou duvidando da sua palavra, me deixa ver quem está aí, pode ser que meu filho está com medo de mim.
O policial entendeu, pois até o diabo tem mãe, deixou que ela ficasse na traseira da viatura e iluminou-nos, para que ela tirasse a dúvida.
_Ah, quem está aí são os meninos do Educa.
Gritando mais alto ainda, passou a dizer os nossos nomes, um a um.
Quando os policiais bateram a porta e voltaram aos seus acentos, uma pequena multidão já havia se formado em volta da viatura.
Passearam com a gente, por fim, nos soltaram no Parque da Previdência, de lá pegamos a condução e fomos pra Lapa.
No dia seguinte, fomos agradecer a dona Geralda, ela deu de ombros e disse:

_Fiz o que qualquer mãe faria.

Nenhum comentário:

Postar um comentário