quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Nobreza


Completei 51, nesse blog eu conto histórias de um tempo passado, que determinou toda a estrada que eu ia trilhar pra me tornar o homem que eu me tornei.
Minha historia não foi feita só por mim, fatos e acontecimentos foram divididos por meus amigos, cada amigo meu deu um pouco de material e inspiração e eu me apropriei disso, juntei tudo e usei pra construir o meu caráter.
No instante crucial, anos mais tarde, quando partimos pra cima dos escudos e cassetetes da tropa de choque no largo da Batata, na conquista dos meus troféus no esporte ou quando vi minha filha dar a luz ao meu neto, nunca me esqueci do menino que eu fui no Educandário.
No livro "Conta comigo", Stephen King conta a história dos seus amigos de infância, na hora de terminar o conto, deu um branco e ele não sabia o modo mais bonito pra encerrar, ficou uns dias pensando e escreveu a frase mais simples de todas:
"Eu nunca mais tive amigos, como os que eu tinha, quando tinha 12 anos"...
E nessa frase simples, expressou a mais verdadeira de todas as frases.
A vida era dura, vão dizer os meus contemporâneos, claro que sim, concordo eu, mas dureza molda a vida e te põe uma armadura, quanto maior a integridade, maior é o brilho de sua espada ao sol.
Poderia gastar linhas e linhas pra enumerar coisas que lhe arrepiariam os cabelos e te faria dizer:
_Nossa, eram endiabrados esses internos.
Eu contaria coisas engraçadas e coisas que você desconfiaria da veracidade e diria que sou um contador de anedotas ou talvez eu pudesse ser chamado de historiador, aliás, é assim que a minha esposa me define.
Não falo da nobreza que a posse de dinheiro ostenta, nobreza é a coisa que te separa da besta, nobreza é fazer o certo, mesmo quando não existe razão pra tal, eram nobres meus amigos e não acho que tenha sido uma coisa isolada do pavilhão 14, meu lar, creio que isso era a atitude do interno em geral.
Já contei que o Sebastião era respeitado por todos os outros meninos, também contei do zelo que todos tinham pelo Lucídio e que fui ameaçado, se não cuidasse dele.
O Adalberto era portador de uma doença que atrofiava os músculos, sendo assim, não podia jogar bola e sempre aparecia alguém que trazia um apito, no campo ele apitava os treinos, sem entender coisa nenhuma de regras, meninos que tinham o pavio curto, relevavam e acatavam as decisões dele, caso ele expulsasse alguém, ninguém reclamava.
Acreditavam os meninos que isso faria o Adalberto se sentir tão bem quanto os jogadores e isso é nobreza.
De vez em quando, o Odilon esquecia que ele não podia fazer esforço físico, os meninos nunca.
O eito era medido com duas enxadas deitadas, o chefe media e se retirava os meninos mandavam o Adalberto ficar na sombra, cada um carpia o seu eito e mais alguns centímetros, isso feito por todos, facilmente cobriria a parte do Adalberto, enquanto isso ele fica à sombra, se o chefe aparecesse no barranco, ele pegava a enxada e fazia que capinava, quando o chefe saía, ele voltava pra debaixo da jaqueira.
Quando todos terminavam, conforme um acabava, ajudava os demais, a última touceira arrancada determinava o fim do trabalho, todos jogavam o cabo no ombro, se juntavam ao amigo e subiam pro pavilhão.
O mais estranho é que nunca se fez uma reunião, pra combinar isso.

Só fazíamos pelo fato de ser a coisa certa a se fazer... eram nobres, meus amigos.

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