sábado, 14 de novembro de 2015

O pai ausente


Ainda naquele assunto de ser órfão, fui-o desde os três anos e nunca tive problemas com esse fato, no Sampaio Viana era tudo muito confuso e muito escuro, na Casa de Infância veio a luz e a alegria e no Educa me tornei homem.
Diz-se que, órfão não tem mãe e isso é um erro gigantesco, eu tive umas 20 mães e umas 50 madrastas. Funcionárias de orfanatos e freiras não resistem a um menino carente e eu tinha um rosto de anjo e, sabia usá-lo nas conveniências.
O pai do órfão aquele que lhe providencia o lugar onde dormir, comer, estudar e passar a infância em relativa segurança, então o órfão tem como pai legal, o juiz de menores.
E ele é um nome na ficha do interno, é ele quem responde pelo interno, até que ele atinja a maioridade.
Eu fui o primeiro interno a estudar numa escola fora dos domínios do Educandário, me mandaram pro Vidigal, se desse certo, mais internos poderiam estudar fora e deu muito certo.
Nos dias de reunião dos pais, meu pai era o padre Paulo, o cabeça-chata nunca usava a batina, no dia da reunião dos pais, ele vinha de batina.
Sempre tinha um guri mais engraçadinho que fazia a piada:
_Aquele ali é o seu pai?
E eu vinha logo de voadora:
_É, e a minha mãe é a mula sem cabeça.
O padre Paulo foi mais um dos homens que cuidaram de mim pôde contar uma dezena deles, mas, meu pai legalmente era o juiz de menores, cuidava de mim de longe e fazia bem o seu trabalho, a vida toda eu sabia que não o conheceria, mas o destino é brincalhão e a minha vida é uma comédia.
Em Agosto de 1983, eu já completara 16 anos, trabalhava, namorava, ia pras baladas e estudava. Mandaram-me chamar na administração do Educa, em sua sala, a dona Néri tinha a companhia do padre Paulo.
Cumprimentei-os e entraram no assunto que mudou a minha vida.
Disse-me que eu ia ser transferido pra um pensionato na Vila Carrão, o pensionato recebia menores do Educa e da FEBEM, tinha horários e regras...
Enquanto ela contava os prós e os contras, um filme me veio à mente, lembrei-me do dia que eu cheguei ao Educa, a dureza de ser novão, a adaptação à nova vida e percebi que havia crescido, minha prisão havia me ensinado o gosto pela liberdade.
Paciente, esperei que ela terminasse o padre Paulo que me conhecia e sabia que eu não ia aceitar aquilo, desviou o olhar.
_ Isso foi o que determinou o juiz de menores. Arrematou ela.
Levantei-me da cadeira e numa tranquilidade assustadora, estendi-lhe a mão, assim que ela apertou-me os ossos eu disse:
_Desculpe-me, mas meu tempo de ser mandado acabou agora, a partir desse momento eu me dou a maioridade, nunca mais alguém vai dizer o que eu tenho ou não que fazer.
Apertei a mão do padre Paulo e agradeci, sai dali e segui para o pavilhão 22, juntei minhas poucas coisas e me despedi dos meninos, sem qualquer drama, como fora toda a minha vida no Educa, fui-me, de cabeça erguida e mil planos na cabeça, quando cruzei o portão, o seu Felipe, bem mais velho do que no tempo em que eu cheguei ali, me perguntou:
_Não vai se despedir do amigo? O velho sorriso de sempre.
_Mas que despedir, todo santo dia vou estar aqui, pra esperar o ônibus, seu careca ridículo.
Apertei-o contra o peito, um abraço pra um amigo que me viu entrar criança e sair adulto.
E fui morar ali, na Osvaldão. Trabalhava na Procuradoria Geral do Estado e o diretor me mandou chamar e disse que nesses casos o juiz emitia um mandado de captura contra o menor evadido, se isso acontecesse ele teria que me demitir.
Bom, aproveitei o correio e escrevi uma carta ao tal juiz, não me lembro com exatidão do conteúdo da carta, nela eu agradecia os anos de ajuda e tudo mais e saiu com um capricho tão grande a carta, que teve resposta.
Dois dias depois, recebi um telefonema, a secretária do tal juiz marcou uma audiência, finalmente eu ia conhecer o meu pai, ri interiormente e tive medo de rir na presença dele.
No dia marcado, a secretária me conduziu a uma sala ampla com ar condicionado, sentei-me na cadeira que ficava na frente de uma enorme mesa de magno, acabada num verniz quase vermelho, do outro lado da mesa havia uma cadeira estofada, atrás da cadeira uma porta de cerejeira, dali sairia o juiz.
Esperei um quarto de hora, o estranho é que havia uns barulhos confusos que vinham da direção daquela porta, finalmente a porta se abriu e saíram umas 30 pessoas, todas com papeis na mão, levantei-me em sinal de respeito.
Um homem grisalho postou-se a minha frente e disse que era o juiz que me representava os outros todos também eram juízes de menores, ficara tão impressionado com minha carta, que fizera copias dela, mandou pros amigos e todos eles estavam ali pra me conhecer.

Nenhum comentário:

Postar um comentário