terça-feira, 1 de março de 2016

Contrariando a estatística


Não acredito que ambiente influencie comportamento, o certo ou errado estão no mundo, portanto, cabe a cada um, a escolha.
O caminho certo estava em todos os ensinamentos do Educa e, isso não foi suficiente pra tirar muitos dos internos do lado errado, até por que, tudo depende do angulo de que se vê.
Buscando o Carlos Augusto, quatro policiais invadiram o pavilhão 14, era uma tarde de domingo e subimos correndo do campo.
Reviraram cada centímetro de cada cômodo, ameaçaram os grandes e os humilharam, queriam saber do Roda, já que ele e o Carlos Augusto eram amigos, nós vimos quando o Roda se escondeu no bananal.
O fato de os nossos amigos serem mal tratados nos indignou, alguns dos pequenos, inclusive eu, olhamos pros policiais de atravessado e começamos a protestar.
Um dos homens olhou-nos e, batendo na mesa da área com força disse:
_Marginais todos vocês não passam de marginais, estão fazendo curso e vão sair pras ruas formados. Se chegar em qualquer cela do presídio e perguntar quem foi interno do EDD, várias mãos vão ser levantadas.
Essas palavras, ditas por um homem que se achava portador da verdade, nos fez recuar e, durante anos ficou na minha cabeça.
Sempre que eu me via em situação de quebrar a fina linha que separa o bem do mal, a voz do policial vinha à mente e me resgatava.
Então, aquele amontoado de besteiras, dito por um fascista me fez mais bem que mal.
Anos mais tarde, eu e o Viana estávamos namorando naquela lage que fica acima da oficina do Arlindo, eu com a Ângela e o Viana com a Lia, já se passavam das 22 horas e voltaríamos pro 22 pela casinha de força.
No outro lado da calçada, um mendigo dormia embrulhado em seus trapos, justo no começo da subida do barranco.
Depois de um bom tempo, pegamos a João de Lorenzo e fomos levar as minas em casa, depois da entrega voltamos juntos.
Como aquele homem nos impedia a passagem, tivemos que acordá-lo pra que ele nos dessa licença:
_Ô moço, acorda.
Quando ele se virou, um cheiro de azedo e suor subiu, pedimos que ele nos dessa licença da passagem.
Ergueu-se um pouco e encostou o dorso no pé do barranco, seus olhos piscavam, procurava a nossa presença e a luz do poste o atingiu em cheio.
Agradecemos e iniciamos a subida, quando já alcançávamos a cerca de arame farpado, ouvimos uma voz conhecida vinda de lá de baixo:
_I, ó os neguinhos!
Assustamo-nos, não poderíamos acreditar no fato.
_Essa é a voz do... vacilou o Viana.
_Roda. Completei eu.
Pulamos juntos de volta e ainda sem acreditar, ficamos de frente com o ex-tuba do 14.
Embriagado e muito louco, jogado na calçada entre trapos, pouco lembrava o odioso Roda dos nossos tempos de infância.
Contou que havia cumprido longa pena, por conta duns caminhos errados que havia pegado na vida.
Percebemos que não era gigante como nós lembrávamos, o Viana me chamou de lado e disse:
_Cara, esse negão era muito ruim com os moleques, vamos subir o gás dele?
A minha reação foi um sorriso, dar bordoadas sempre foi a melhor diversão do meu amigo.
_Não seria justo.
_Como não seria justo?Lembra-se de todos os guris que ele gostava de bater.
Pra dissuadir o amigo de usar a violência o argumento teria que ser bom, parei e me lembrei dos tempos de futebol.
_Neguinho, se não fosse por ele, nem eu nem você teria tido a honra de jogar no Grêmio.
O Viana se lembrou de que o Roda havia me ensinado a chutar a bola e eu repassei o conhecimento pro amigo.
Deixamos o Roda falando sozinho e fomos pro 22, quase na entrada do pavilhão, o amigo se conformou.

_Deixa que a natureza se encarrega de tudo.

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