quarta-feira, 30 de março de 2016

Mais um dia, mais uma lição.


Sempre fui contestador, quando algo não me parece justo ou está fora do lugar, finco o pé e faço disso um motivo pra brigar, minha natureza de ser, não suporta as coisas sem contestação, meto o pau mesmo.
Poderia colocar isso como uma das minhas virtudes e sair com uma auréola de superior, mas, prefiro as simples palavras da minha filha:
_É pai, você é chato mesmo.
Já fazia tempo que não se dava missa na linda igreja do Educandário Dom Duarte, aquela verdadeira obra de arte neoclássica estava se deteriorando e só servia mesmo como morada de morcegos e longe dos olhos do público, um salão enorme, onde os meninos batiam pino e confeccionavam grampos, duas atividades, que mais tarde seria denunciada como escravidão infantil.
O ano era 1980, disso eu tenho plena certeza, pois foi o ano da morte de John Lennon.
Desde a minha chegada, a missa sempre havia sido dada no teatro, devido ao italiano macarrônico do padre Graciano, quase não se podia perceber a hora de se sentar ou se levantar e a hora do sermão, vinha o padre Paulo ao microfone, entre uma parábola da Bíblia, ele desfiava boçalidades do cotidiano educandáriano, coisas escabrosas, que nos matava de vergonha e rezávamos pro padre Graciano reassumir o comando.
E então, sem mais nem menos, resolveram reativar a velha igreja e, como eu não era mais criança, participei ativamente da reforma, fui ajudante de todo mundo que estava trabalhando lá, tipo: o seu Pimpa, o seu Josué do 15 e o Biriba do bloco.
Havia um clima de expectativa no ar, a primeira missa seria dada na véspera do natal e contaria com a presença do Dom Evaristo Arns. Dois dias antes, estava novinha a igreja e o padre Paulo dava os últimos retoques no altar, umas poucas mesas ainda sobravam e uns meninos batiam pino e, isso tirava o brilho do momento.
De quando em quando, o Zezinho gritava, exigindo eficiência dos meninos, a minha vontade era subir o gás do Zezinho, mas me contentei com o meu esporte predileto da época, aborrecer o padre Paulo.
_E, então Padre, sempre foi assim a santa igreja católica, lutava contra a abolição enquanto mantinha seus adeptos na escravidão.
A cada ataque desses, vinha o padre com a réplica e eu contra-atacava e assim, nossas contendas duravam horas, esse tinha tudo pra ser igual, mas não foi.
_É essa a sua opinião sobre as pessoas da igreja?
É claro que eu confirmei já preparado pra defender meu ponto de vista, muito calmo ele disse:
_Muito bem, se prepare esse natal vais passar comigo.
Foi linda e reestreia da igreja, lá fora ainda choravam a morte do John, a missa de primeira eucaristia dos guris do Educa foi celebrado por Dom Evaristo, um dos comandantes do movimento das Diretas Já.
E era véspera de natal, não fui com os meninos pro 14, o Pepê morava na Avenida 9 de Julho, algum tempo mais tarde, eu iria morar ali, do outro lado da calçada.
Depois da missa de natal, na igreja da Consolação, fomos à casa de uma das beneméritas, um gigantesco casarão na Bela Vista, a senhora detinha o título de baronesa e não pareceu se incomodar com o fato de eu não ter eira e nem beira.
Na hora da distribuição dos presentes, me deu um envelope com um maço de dinheiros, disse que ia me comprar um par de sapatos e soube que eu gostava de encomendá-los sob medida.
Eu estava pra dizer que não estava impressionado, mas como havia sido convidado a passar a noite por lá, achei que seria indelicado.
Fiquei num quarto que tinha um aparelho de som quase do tamanho da parede e paredes à prova de som, com toda a coleção do Dizzy Gillespie, aquilo não era um quarto, era o paraíso na terra.
De manhã, fui chamado, lá pelas 9 horas, a própria baronesa foi me acordar e, pra meu espanto, trajava uma roupa sem luxo, pra falar a verdade, a moça da faxina tinha as roupa mais glamourosas que as dela, me deu uma tesoura de cortar cabelos, disse que sabia que eu era bom no traçado, fiquei sem saber o que fazer, enquanto tomávamos café na enorme mesa, reparei que ela tinha a seu lado uma máquina de cortar cabelos.
Descemos as ruas do Bexiga e todos os moradores a cumprimentavam, velhos e novos, embaixo do viaduto Jacareí nos juntamos a um grupo de pessoas e passamos, mais de 8 horas, a cortar cabelos de moradores de rua.

Depois disso, nunca mais julguei um livro pela capa.

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