sexta-feira, 13 de maio de 2016

A maturidade


Aos três anos me vi na condição de órfão e, me adaptei a isso naturalmente, os colégios em que morei foram minha casa e as pessoas que me cuidavam, faziam às vezes de meus pais.
Mesmo quando as pessoas diziam que eu não tinha um comportamento típico de um interno, eu fazia questão de mostrar certo orgulho de sê-lo.
“Permeava na sociedade esse preconceito contra o órfão, esse era pior que o racismo, vinha carregado de ‘coitadismo”.
Desde criança, sendo negro e órfão, aprendi a me defender dos ataques de racismo, o dom da palavra me deu as armas e, a palavra, bem empregada, corta mais que a espada.
De cabeça erguida, percebi que os racistas são, geralmente, pessoas desprovidas de conhecimentos, com relação ao coitadismo, isso é um mal sem cura e independe de condição social ou moral.
Por vezes, as palavras não surtiam o efeito desejado, o capitão me ensinou a colocar um bom golpe no queixo e, sem dentes, fica difícil a comunicação.
Em 1981, eu completara 14 anos fazia o curso do SENAI e fui, por questões políticas, convidado a me retirar do Attiê, transferido pra escola Alcides da Costa Vidigal, o Jardim Peri-Peri era um bairro de classe média, bairros assim tem população predominantemente branca e, coube a esse seu criado, a honra de ser o primeiro aluno negro a frequentar esse estabelecimento de ensino.
Podia falar de coisas de discriminação racial, me fazer de vítima e coisa e tal e, seria tudo mentira. Nos efervescentes anos 80, até branco, se dizia negão.
Pouca gente queria saber da cor da minha pele, o que pegava mesmo, era o fato de eu morar num orfanato. Esse fato contribuía pra minha popularidade, eu e a Aninha, éramos as pessoas mais populares da escola, eu por ser um interno e ela por ser a menina mais bela do mundo, desculpe, do planeta.
E, diferente do que sugere todas as canções e filmes de adolescentes, a moça, além de linda, tinha um enorme coração e, ainda hoje é minha amiga.
Além do perigo do coitadismo, o órfão passa por outro estigma e, esse é ainda pior, a falta de uma família te associará à marginalidade.
Numa tarde, ao sair para o recreio, empolgado pra dar uns beijos na Vannerly, saí com a mochila nas costas, quando me dei conta do descuido, voltei pra sala e guardei o material.
Na sala estavam o Marcio e o Tadeu, eles trabalhavam numa fábrica de elásticos e mantinham uma enormidade desse material, fizeram uma bola de elásticos roubados e o exibiam como se fosse coisa de colecionadores. Não dei importância e voltei correndo pros braços da morena.
Na volta do recreio, disseram que foram roubados e suspeitavam da minha pessoa, a professora de Português Elizabeth, que já fora minha professora no Educa e no Attiê e, sabia da minha conduta, adivinhou o que estava por vir e limitou-se a sentar e apurou os ouvidos.
Um dos meninos exigiu que se resolvesse a coisa toda na diretoria, calmamente me levantei, eles estavam ao lado da mesa da professora:
_Me deixa entender a coisa toda...
Com toda a calma do mundo, me aproximei dos acusadores.
_Vocês querem que eu vá pra diretoria, por conta de uns elásticos roubados e eu teria roubado?
Com a cabeça, concordaram.
_E, desse crime, eu sou suspeito pelo fato de morar num orfanato, certo?
A essa altura eu já estava na frente deles, antes que pudessem concordar ou não, dobrei o dorso e o cruzado de esquerda os atingiu por igual, caíram por cima das mesas, carteiras e cadeiras e meninos no chão, quando cessa o barulho, uma bolinha de elástico sai pulando pela sala.

Então, caros amigos... vamos à diretoria.

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